Só uma mão
Uma manhã triste e fria de uma primavera atípica, escutava-se ao longe pedidos de ajuda, quase que abafados pela fina chuva que caia. Sim era ela que chamava aflita, era ela que perdida, clamava por carinhos já tão escassos em sua vida, cansada de tantos desprezos contínuos, sim desesperada estava, mas ainda viva.
Ela pensava então, como pude chegar a esse nível de solidão e miséria, hoje aqui, jogada sem nada , sem ninguém, pobre e sofrida. Tentava traçar ainda paralelos sem fim, lembrando-se talvez dos doces e felizes dias passados que já lhe eram tão distantes, mas sem forças, fraquejava ao tentar levantar os olhos até.
Um dia qualquer, ela achou entre o lixo, em que revirava, um pequeno espelho todo sujo e estilhaçado, o que refletia, entre os trincos, era suficiente para poder se enxergar, em momento breve de lúcida memória, conseguiu lembrar-se e até quase visualizar cenas de quando então era feliz. Lembrou-se então, daquele super mercado de esquina, onde fazia suas compras rotineiras. Lembrou-se com espanto até de um rapaz muito bonito, mas muito sujo que mendigava naquela esquina, fazia dela sua fantasia, sua moradia, era engraçado vê-lo dirigindo o trânsito das pessoas na calçada e até dos carros na rua fazia.
Repentinamente, começou a vir na memória, tão fraca e escurecida pela fome, muitas das lembranças que tinha quando via praticamente todo dia o tal rapaz. Ela começou a lembrar-se, lembrar-se, e começou a chorar copiosamente sem parar, soluçava como criança, lembrando-se de quando olhava para aquele rapaz e sentia pena ao vê-lo ali, perdido naquela esquina, mas nunca conseguiu imaginar ou supor, que um dia estaria ali em seu lugar.
Do nada, de repente, sentiu leve afago em seu ombro, como a muito já não sentia, devagar, estando um pouco assustada e curiosa, virou-se e ainda com os olhos rubros e úmidos para ver quem era, uma mão tão simplesmente. Uma mão deitada levemente em seu ombro, com a ponta dos dedos a pressionar sua pele e invadir seu espírito, como que tentando lhe dar algum alento, tentando lhe dar forças que outrora teve, uma mão de alguém que talvez aquele rapaz da esquina nunca teve.
Uma mão amiga.
Eduaedo Gragnani SP 2006