A HEBE
És tão doce,
Que alimentas o divinal,
Que elevas ao Olimpo,
Que me faz sentir jovem,
Que me faz sentir imortal,
Mas por vezes...
És tão doce,
Que o mel dos teus lábios
– de todos os lábios –
Tem para mim um gosto mesclado
De salobro e de amargo
Ao chegar à garganta ao final,
Por não ser um mel apenas meu
E me levar ao pranto desesperado
– leva-me ao céu
e do céu da boca,
desço ao Hades
com gosto de fel!
Teus lábios de mel
servem às mortais
o doce néctar dos imortais
– beijos da juventude eterna!
Qual sagrada abelha,
Teus pequeninos pés
Pisas de flor em flor,
E quando mana teu mel,
O produzes pelo néctar das flores
Que sorves com desejo
Nos campos floridos,
No calor do segredo
– primavera dos amores!
Qual sagrada abelha,
Vais de favo em favo
E te perdes na colmeia
– és Rainha de Mel
e já não queres a real geleia
com a qual te alimentava!
E o favo de minha boca,
Tão vazio de doçura,
Tão cheio de amarguras,
Já não enches com teu mel
– deixaste tua doce Melissa!
Já não mais me sinto doce...
Sinto que cruel me atiras
Aos braços de Ftono
E aos prantos me obrigas
A beijá-lo à força
– beijo amargo e salobro!
Jurei que aos homens
Jamais me entregaria;
Jurei em teus braços
Que jamais me casaria!
Já não mais me queres?
Por que tanto me humilhas
Com tantas jovens amigas?
Por que tanto me feres?
Se do rochedo mais alto
Ao mar atiraste meu amor,
Atrás dele me atirarei em sua busca,
Qual dizem que o fez Safo
Imersa em profunda dor,
Na Lêucade ondicercada!
Salva-me das salobras águas
Que inundam minha face;
Salva-me da frieza e dureza
Dos rochedos em teu seio!
Deita-me novamente
Sobre a tua relva
E uma flor me ofereças
Para sentir seu perfume
E saborear o néctar,
Ou ao menos me permitas
Sorver o orvalho em teus lábios
– farei com que produzas
em abundância o mel tão desejado!
Sei que sou tola,
Mas a natureza do meu corpo,
Em sua fértil inocência,
Ignora teus maus-tratos
E me deixa assim, melada...
Acaso sabe a flor
Que o toque em seu receptáculo
Proverá o mel que inunda o favo?
Preciso voltar a ser a única
A provar teus deliciosos lábios
Naqueles campos idílicos
Onde neva pólen,
Onde chove néctar;
E ficar toda molhada,
Entorpecida e embriagada
Com a doce bebida
– ter a sede saciada!
E então sobre mim,
Terei você debruçada
A fitar meus olhos
Com teus melífluos olhos favos,
Sobre os quais tuas melenas meneiam
Seus luzidios fios flavos
Com o sopro refrescante
Primaveril e perfumado!
És melífera aos olhos,
És melífera aos lábios;
És símile à Hebe olímpia,
De Héracles a consorte
– em segredo serás a minha,
se não me entregares à fria morte!
13/10/2023
Nota sobre a foto: “Morte de Safo”, tela pintada em 1881 pelo espanhol Miquel Carbonell i Selva (1854 - 1896).