Poema – Carta aos meus filhos
Poema – Carta aos meus filhos
Quando disserem
Que eu vendi a minha alma ao Diabo
Mostrem a eles o meu amor
Quando lhes mostrarem as minhas fotografias
Mostrem a eles os meus sonhos
Ah pouco para falar sobre mim
Que não encontrariam em livros ou poesias
Fui um homem de pouca paixão
Conheci a morte quando ainda tinha treze anos
Aos dezesseis visitei o inferno
E voltei de lá um sátiro
Na solidão construí o meu império
De cinzas e enxofre
Nestas cinzas,
Derramei o meu sangue
Como uma singela homenagem
Ao nada que me tornaria um dia
Em todos estes momentos de dor
Sempre sonhei com o dia
Do qual veria o seu sorriso
Passei anos trancafiado em meu próprio abismo
E lá me deram infinitos nomes
Nomes estes, que jamais ousaria mencioná-los
Camisas de força
Gritos de desespero
Medicamentos que envenenavam a minha mente
As tatuagens marcadas pelo meu corpo
São cicatrizes de uma vida no inferno
Marcadas pelo próprio Diabo
Ainda que condenado ao inferno
E perseguido pelos Deuses
Fui um homem de alma pura
Lutei pelos mais fracos
Inspirei o amor nos corações daqueles
Que se abdicaram das suas próprias vidas
Ergui bandeiras negras
E em gritos de revolução
Enfrentei autoridades fascistas
Acolhido na solidão
Me tornei amargo, frio...
Até que desta amargura
Nasceram os meus últimos suspiros
Dos livros que eu escrevi
Em nenhum deles devem procurar pelo seu pai
O autor daqueles livros
Era um homem já sem alma
Um Poeta a vagar pelas labaredas do inferno
Embora devastado pelo martírio da vida
O amor ainda existia
Escondido nas minhas entranhas
O sonho de ter uma filha
Um filho
E uma esposa para compartilhar deste amor
Eram as únicas forças
Que me separavam do completo abismo
Conheci a sua mãe em Fevereiro
Como um anjo
Ela fez o universo curvar-se diante dos seus pés
A luz na minha escuridão
O amor estampado em seu sorriso
Livia, amo-te
Mais do que as estrelas amam o universo
Que o nosso amor transcenda o cosmos
Nestes versos e nestas poesias
Aos meus filhos
Os amarei até que a última estrela
Do universo se apague
Espero algum dia recitar este Poema
Como o seu pai
E não como uma distante memória...
- Gerson De Rodrigues