Ilusão desabitada
Tudo agora está tão fosco, tão estranho,
como se fechássemos um livro pesado antes de ler a primeira página.
Tudo voltou ao normal desesperado de outrora.
No tempo em que estava à sua procura, vivia feliz por desconhecer sua existência.
Me tiraste o prazer das horas vagas, o sossego e as palavras de minha garganta,
aprendeste a desnudar o meu espírito e a conhecer minhas intrigas.
Mas agora, que me revirou e desfrutou do caos dentro de mim,
não percebe que te busco no brilho de cada estrela que já morreu?
Te pergunto com esta voz cansada de não ter dito tudo o que eu devia,
como pode doer tanto aquilo que talvez nunca existiu?
Não responda com palavras simplórias,
fale-me através do vento, dos céus, das folhas e das águas salgadas.
Confesso que agora entendo o motivo das cinzas que cobrem com seu manto grisalho as antigas cores,
confundi a chama do amor, que flamejante e pouco abrupta, me pareceu, com as faíscas do incêndio selvagem que me acendeste.
Peço-te que não empilhe o que vivemos em um canto empoeirado, nem evoque-me nos momentos tristes ou felizes, e muito menos, que alimente as traças, guardando-me para a posteridade.
Quando aflorar o desejo da lembrança e a saudade branda ensurdecer-te, me procure nas palavras e no misterioso e infindável canto não-existente do mundo.
Eterno? Foi um dia.
Memórias? É tudo o que nos restou.