Ilusão desabitada

Tudo agora está tão fosco, tão estranho,

como se fechássemos um livro pesado antes de ler a primeira página.

Tudo voltou ao normal desesperado de outrora.

No tempo em que estava à sua procura, vivia feliz por desconhecer sua existência.

Me tiraste o prazer das horas vagas, o sossego e as palavras de minha garganta,

aprendeste a desnudar o meu espírito e a conhecer minhas intrigas.

Mas agora, que me revirou e desfrutou do caos dentro de mim,

não percebe que te busco no brilho de cada estrela que já morreu?

Te pergunto com esta voz cansada de não ter dito tudo o que eu devia,

como pode doer tanto aquilo que talvez nunca existiu?

Não responda com palavras simplórias,

fale-me através do vento, dos céus, das folhas e das águas salgadas.

Confesso que agora entendo o motivo das cinzas que cobrem com seu manto grisalho as antigas cores,

confundi a chama do amor, que flamejante e pouco abrupta, me pareceu, com as faíscas do incêndio selvagem que me acendeste.

Peço-te que não empilhe o que vivemos em um canto empoeirado, nem evoque-me nos momentos tristes ou felizes, e muito menos, que alimente as traças, guardando-me para a posteridade.

Quando aflorar o desejo da lembrança e a saudade branda ensurdecer-te, me procure nas palavras e no misterioso e infindável canto não-existente do mundo.

Eterno? Foi um dia.

Memórias? É tudo o que nos restou.

Flora Fernweh
Enviado por Flora Fernweh em 27/02/2020
Reeditado em 31/10/2021
Código do texto: T6875656
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