A MOÇA DA ILHA

(acompanhado de jingoma, coro e dança)

Uma certa noite cheia de estrelas fogosas

Eu e meu compadre Dizundu

Fomos parar na festa da tia Kazundu

Lá nas sanzalas de chapas e pau a pique

Pelas cercanias de Kalemba

Sentados ao lado de cabaças de maluvu

E já meio embebedados

(Conversa sobre conversa

Batucadas à solta em alta bafagem

E gente animada no recinto)

Voltei-me de um lado para outro

E cheio de mim

Perguntei indiscretamente:

Então, quem é aquela moça esbelta

Que se estira e jucunda se estremece

Dançando o kindungu ali no chão duro

Com a sua toda desenvoltura?

Quem é aquela que ora gira o torso

Ora se agita torcida ao ritmo fanhoso

Como deusa no altar de sonhos?

Diga-me! sabe quem seja aquela ali

Toda altiva e bem desejada ainda

Quando em saracoteios

Curva o dorso assim?

Meu compadre fixando os olhos na moça

E também já enrabichado como eu

Não me respondeu

Mas quem é ela de kindumba cheia

Trançada em feitios florais da terra?

Quem é aquela beldade sem par

Atrapalhando meus sentidos deste jeito?

Um anão calvo com cabeça enorme

Sentado em banco coxo

Concentrou-se na moça, boquiaberto

Mas nada disse

Ai! quem é a moça de lábios carnudos

Esmolando beijos da minha boca

Com desejo tão ardente assim?

Quem é essa Princesa ávida de amor

Para qual meu coração palpita tanto

Tanto e tanto ainda

Como o impulso da lua lá fora?

O corcunda carrancudo de olhos remelados

Fingindo não ouvir nem olhar

Esfregou as mãos uma na outra

E apenas tossiu e cuspiu aflitivamente

Mas quem é a moça de saia rubicunda

Com pulseiras de valvas cor de gema

Requebrando o corpo num delírio

E sorrindo para mim desta sorte?

Quem é aquela moça peituda

Com ancas de enlouquecer...oh Nzambi?!

Digam-me, por favor, digam-me!

Alguém sabe quem seja aquela ali

Atrapalhando meus sentidos assim?

(Insisti, mui sério comigo

Apesar da bebedeira)

Alfim, pela manhã de madrugada

(pouco antes do nosso muzonge)

Uma velha completamente cega e trôpega

Trajada de amuletos de umbanda

Virou-se para mim e inclinou-se toda

Cochichando de boca torcida:

Aquela é a moça da ilha, filha de Kyanda

Com quem tens um pegado de alma

Ponha-se em pé e avança já em umbigadas

Oh bendito menino

Ela vai levar-te para o fundo do mar!

Jingoma = batuques.

Kalemba = bairro de Luanda (Angola).

Maluvu = vinho de palmeira

Kindungu = dança livre dos tempos antigos.

Kindumba = Cabeleira Africana bem cuidada.

Nzambi = Deus supremo.

Muzonge = caldo de peixe com picantes.

Kyanda (Kituta) = deusa que preside o império dos mares e dos rios.

Escrito em Kimbundu.

Tradução portuguesa do autor.