ILUNGA

(ao som de mbanza)

Aquela nuven vadia que se tem em conta

De penumbra rasteira

Teria já atravessado veigas

Nos longes, pela certa—

O sol de corante fulvo, por seu turno

Mergulhara em jeito dum martim-pescador

Nas entranhas do rio Zambeze

Com as horas que haviam-se passado

Éramos só nós dois, em tua casa

Por sertões adentro

Bem ali, nos confins da região verde

A borda da montanha grande

Tu, toda gentil, de saia curta

A amassar o funji* de masambala

Com o pau amassador—

Eu cá, na tua frente, a apreciar-te

Só mesmo nós os dois, juntos

Aquela noite de luar pudibundo

Em que deveras fui amimado por ti

Serviste a mwamba* de galinha

Polvilhada com picantes em pó

Ao lado do nosso funji a fumear—

Seguiu-se então a myengeleka*

De folhas tenras

E um tanto de kyabu à mistura

Para

Fácil

Deslizamento

Sem mastigação

Ademais, valemo-nos do kalulu*

Assim como a kizaka* do dia anterior

E uma kisangwa* fresca e forte

Foi esse o delicioso manjar

Que era nosso jantar

Entanto, dispensamos a mesa

Sentamos na esteira de disenu

A esteira fofinha que vovó tecera

Dispensamos o talher, posto que

O funji à mão, comido às bolas

Sabe melhor assim—

Era só tu comigo, eu contigo a sós

Lavando as mãos na cabacinha

Dependurada ao tempo

Que agora fazia-se tarde

Só mesmo nós os dois aquela noite

Na qual me puseras a pulseira do pé

(que ainda porto com alta estima)

Quando de repente, uma brisa zombeteira

Chegara do rio e apagara a luz

Do nosso candeeiro

‘Mameeh! está com ciúmes, a Kazola!’

Dizias-me em ar de troça

Num riso contagiante

Rimos nossos risos, rimos tanto

Com afeição e carinho

Em vozes vivazes aos ares reboando

Pelos arbustos nos arredores

Dispensamos a língua do colono

Pois só em língua nativa

A conversa é mais clara e doce

Tu, toda meiga, de saia curta

Umbigo à mostra e peitos aos pulos

Sob o kinzanza meio aberto—

Eu, tão de perto, na tua frente

A querer-te com enorme prazer

Somente nós dois em horas tardias

Ainda a tomar a nossa kisangwa

Aquando do luar que ora atrevido

Espiava-nos, por graça, ali

Pelo telhado de palha

Por último, dispensamos a cama

Visto que tinha-te a ti imersa no ardor

Do meu suspiro

Dispensamos a saia também

Já que tinhas-me a mim ao encanto

Das tuas carícias, oh Ilunga

Éramos só nós, nós os dois, no lwando

Aquela noite primorosa e memorosa

Em tua casa de adobe

A borda da montanha grande

Bem ali, nos confins do alto Zambeze.

*Comidas Angolanas.

Lwando = esteira mais grossa e fofa

onde se dorme.

Kinzanza = tecido transparente de fácil rompimento.

Poema escrito em Kimbundu.

Tradução portuguesa do Autor.