Lira XIV, Primeira Parte (GONZAGA, T. A.)

Lira XIV*

Minha bela Marília, tudo passa;

A sorte deste mundo é mal segura;

Se vem depois dos males a ventura,

Vem depois dos prazeres a desgraça.

Estão os mesmos Deuses

Sujeitos ao poder do ímpio Fado:

Apolo já fugiu do Céu brilhante,

Já foi Pastor de gado.

A devorante mão da negra Morte

Acaba de roubar o bem que temos;

Até na triste campa não podemos

Zombar do braço da inconstante sorte;

Qual fica no Sepulcro,

Que seus avós ergueram, descansado;

Qual no campo, e lhe arranca os frios ossos

Ferro do torto arado.

Ah! enquanto os Destinos impiedosos

Não voltam contra nós a face irada,

Façamos, sim, façamos, doce amada,

Os nossos breves dias mais ditosos.

Um coração que, frouxo,

A grata posse de seu bem difere,

A si, Marília, a si próprio rouba,

E a si próprio fere.

Ornemos nossas testas com as flores

E façamos de feno um brando leito;

Prendamos-nos, Marília, em laço estreito,

Gozemos do prazer de sãos Amores.

Sobre as nossas cabeças,

Sem que o possam deter, o tempo corre;

E para nós o tempo, que se passa,

Também, Marília, morre.

Com os anos, Marília, o gosto falta,

E se entorpece o corpo já cansado;

Triste, o velho cordeiro está deitado,

E o leve filho sempre alegre salta.

A mesma formosura

E dote que só goza a mocidade:

Rugam-se as faces, o cabelo alveja,

Mal chega a longa idade.

Que havemos d'esperar, Marília bela?

Que vão passando os florescentes dias?

As glórias, que vêm tarde, já vêm frias;

E pode enfim mudar-se a nossa estrela.

Ah! não, minha Marília,

Aproveite-se o tempo, antes que faça

O estrago de roubar ao corpo as forças,

E ao semblante a graça.

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* Poema de Tomás Antônio Gonzaga, em Marília de Dirceu.

Tomás Antônio Gonzaga
Enviado por Alexandre Ziani de Borba em 14/07/2013
Reeditado em 23/01/2015
Código do texto: T4387316
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