O RITUAL


I – Noite de Mistérios: o Drama da Lua!
 
Noite especial de magia:
O ciclo mensal de Selene
Com o meu em sincronia
– condição conquistada
após trabalhar por meses
com a triste Lua enlutada!
 
Meu luto vermelho e manchado guardo
Pela vida não gerada em meu ventre,
Mas o luto da deusa é abortivo, negro
– sempre chora a perda recente!
 
Por sete dias espera ansiosa
Pela semente luz do irmão,
O poderoso Sol Hiperiônida
– seu eterno caso de amor!
 
A crescente luz que a fecunda
Faz sentir-se plena, cheia,
Mas a gravidez da minguante luz
Dura pouco, e logo em aborto sangra,
Mergulhando em trevas à noite
E à deusa em luto com seu véu negro
Que cobre sua face oculta e profunda!
 
Sangue negro, Lua Negra, Lua nova!
Um romance cheio de dor, ilusões e ausências,
Por isso a Lua inspira o romance, mas também
Inspira tristeza, saudades e melancolia!
É o fado – fardo? – de ser deusa
Em meio à eterna e titânica misoginia!
 
 
II – A Feiticeira: Meditação Transcendente!
 
Com as pálpebras em repouso,
Medito sobre o drama
Da Lua à luz do Sol,
Quando me sinto diluir junto
À fumaça do incenso a queimar,
E quando percebo estou a tocar
A copa do grande salgueiro!
 
Olho para baixo e vejo
Meus longos cabelos vermelhos
Cobrindo meu belo torso nu
Como um véu de sangue
A escorrer em meio à clareira
Previamente preparada no bosque
Em meio aos mistérios da noite!
 
Em um átimo viajo
Para a órbita terrestre
E me sinto despida
Em posição fetal,
Com o Cordão de Prata
A sair do umbigo
– como havia indicado
Lobsang Rampa –
Tão esticado e longo
A perder-se nos abismos
Da Terra qual umbilical cordão
Preso ao útero de Gaia!
 
Pairando sobre o grande globo, abro o corpo
E extasiada observo a imensidão salmoura
A banhar a costa das poucas porções de terra
Sob teias espessas tecidas na trama do mundo
– sinto-o preso em minha encantadora teia!
 
Sinto-me plena, plena lua, lua cheia,
Mais que isso: uma fulgente estrela
Indeclinável aos olhos do mundo,
Que vê minha nívea nudez brilhar
Nessa experiência astronáutica
De origem transcendental!
 
Ouço um som metálico que vem
Do céu escuro e a ele volto
Os safíricos olhos delineados
Com o esplendor do lápis-lazúli
– do devaneio vaidoso volto!
 
 
III – A Aprendiz: O Chamado da Deusa!
 
Sinto a presença da Lua,
Oculta em sua eterna sombra,
E então escuto a poderosa voz
Prateada ao proferir a deusa
As seguintes palavras:
 
“Dalva, jovem aprendiz das antigas
Feiticeiras da Tessália, escuta atentamente!
Com o grandioso orbe aos teus pés
Te sentes a estrela-guia daqueles
Que navegam pelo bravio mar da vida,
A única a ser observada, mas estrela não és:
Careces de luz própria e do Sol dependes
Para espelhar algum fulgor!
 
Deves abandoná-lo para trilhares
A senda da Lua Negra e seguires
A tradição lunar de minhas filhas
– lua negra para os profanos,
mas luminosa para as Iniciadas!
 
Vivo com meu irmão Sol
Um amor impossível!
Fui por ele escravizada,
Mas jamais deixei que fosse tocada
Minha face oculta, onde preservo
Os segredos do meu coração
E os mistérios de minha alma divina!
 
Meu sonho de liberdade realizo
Em minhas filhas mortais
– sinto o amor de cada uma
palpitando entre meus seios –
Por isso conclamo tua alma
Ao egrégio seio familiar,
E quando a morte a cobrir
Com sua mortalha reconfortante,
Em estrela te converterei
E às tuas irmãs te unirás
Em minha constelação lunar!
 
Sabes por que te nego
A Iniciação, tola mortal?
(a Sacerdotisa apenas
obedece ao que sussurro
em seu castiço coração!)
 
Nego-te porque inconsequente alternas
Entre crescente, cheia e minguante
Sem os ciclos e fases da vida respeitar!
 
Tens que dedicar-te à tua Iniciação,
Pois primeiro tens que encontrar
O sol dentro de ti mesma,
E no tempo certo encontrarás
O Sol ao teu redor, para com ele
Viveres as fases do amor verdadeiro,
E com o tempo emanares tua própria luz,
Para que mutuamente se orbitem
Como estrelas binárias
Na dança dos corpos celestes!
 
Enquanto luz própria não tenhas,
Tua face esquerda protege dos raios do Sol
– mantém esse mistério!
Ele tentará subjugar e escravizar-te
Para que em sua órbita estejas,
Pois é de sua natureza a tudo
Dominar com seu calor e sua luz,
Decidindo quem vive e quem morre!
 
De forma egoísta perder-se-á
Contemplando a si mesmo
Em tua face – para ele serás apenas
um elegante espelho de prata!
 
Mergulha teu coração
No silêncio da noite
Para que o Sol não o calcine!
Sê paciente e aprenderás
Os mistérios da negra tradição lunar
– serás minha filha muito amada!
Sê fiel e obediente, e te darei a chave
De todos os mistérios,
Dos arcanos da Alquimia,
E aprenderás a converter prata em ouro,
Lua em Sol, desejo em amor!
Serás estrela de imortal fulgor!”

 
 
IV – Vestida de Céu (Tatuagens de Fogo)!
 
Terminada a divina admoestação,
Tombo o semblante triste e olho
O prateado cordão que me liga
Ao corpo “vestido de céu” na clareira!
 
Ao tocá-lo com a mão em pétalas,
Desperto do transe transcendente
Em Posição de Lótus, totalmente
Relaxada como se de um sono
Reparador fosse despertada!
 
O crepitar da fogueira
Furta o silêncio da noite;
Seu calor escorre pelo meu corpo
Nu e umedece minha intimidade,
Violando-o, tatuando na pele alva
Sua luzidia cor bruxuleante!
 
Minhas longas melenas
Pregadas ao corpo
Formam um véu escarlate;
Meus belos olhos espelham
A dança dos Elementais do fogo;
Tudo concorre para o início
Da segunda parte dos trabalhos!
 
 
V – Antigas Tradições de Sangue, Fogo e Trevas!
 
Entre os seios sinto o sangue
Em explosões de excitação,
Correndo como lençóis freáticos
Para o poço dos desejos minar,
Tingindo as águas de vermelho
Para o sangrento ritual lutuoso
De sacrifício, amor e morte
Escrito no litúrgico mistério de ser mulher
– ritual mensal de ruptura de selos mágicos
que protegem a vida e a fertilidade feminina!
 
Com chamas desenham
Os Elementais para proteção
Selos em meu sofrido coração,
Para mantê-lo imune aos insidiosos
Homens e livre do ardiloso amor
– não mais serei sua escrava;
não mais serei esmagada
pela dureza dos corações
que me são negados!  
Desfrutarei das delícias
Da alcova sem riscos,
Sem temores, sem pudores,
Sem paixões e amores,
Totalmente liberta – livre!
 
Das antigas tradições da Tessália
Trago a magia que arde no interior
Dos meus fartos seios,
Do lado oculto da lua,
Dos mistérios que guardam
O lado oculto da mulher,
Da lua negra celebrada
Mensalmente no ventre,
Da lua de sangue na vida eclipsada!  
 
Mas hoje minha Ordem Mágica
Sofre influências da Magia Celta,
Da Magia Hebraica e de tantas outras,
Pois ao longo de milênios é impossível
Os olhos fechar às mudanças do mundo,
Permanecendo incólume às suas cores!
Afinal, a Magia é universal – uma só –
E se manifesta e expressa acompanhando
A diversidade cultural e a época!
“A Lua é a mesma para todos
E em todos os tempos”
,
Diz a antiga tradição!
 
 
VI – Fim dos Trabalhos: O Cântico da Lua Negra
 
Levanto o cálice e pingo na poção
Uma gota rubra da ferida aberta
Na carnosa e fresca rosa do pecado,
E enquanto a vejo penetrar e diluir-se,
Entoo o Cântico da Lua Negra:
 
“Sou o útero que a cada quatro luas
Chora com lágrimas de sangue
A morte do filho não concebido;
O vazio da solidão de não sentir-se pleno;
As lágrimas que molham o útero enferrujado
Para formar enxurradas de escarlate ferrugem;
O sonho que rubro se esvai;
O desejo que escorre e mancha;
O beijo molhado e carmim
Dos lábios que selam o pacto
Sensual do amor que descama!”

 
Com o Alfabeto das Bruxas,
Desenho selos no ar
Para os quatro pontos cardeais,
Invocando aos Reis mágicos
Do Norte, Leste, Sul e Oeste.
 
Molho a ponta do Athame
Na poção e perfuro o fogo
Que explode em criaturas ígneas
Que se vão para os reinos de lava!
 
Derramo o cálice sagrado
E a poção apaga as brasas;
Sorvo o último gole frutal
E ponho fim ao rito mensal!
 
Outro ritual devo realizar
Na próxima Lua Negra
Junto à Sacerdotisa
E minhas novas irmãs,
Para terminar de selar
Meu nobre coração
Cansado de chorar!
 
Olho para as árvores à minha volta
E para o profundo céu estrelado;
Com laços mágicos a cingir
As madeixas e a delgada cintura
Do longo e florido vestido,
Deixo a clareira do bosque
Ungido na magia da noite velada!
 
 
VII – Das Trevas à Luz (Fiat Lux)!
 
A sabedoria das trevas
Reside na luz que ela encerra
– oculta aos olhos profanos,
escura para eles, ofuscada,
mas fulgurante para a Iniciada.
Preciso aprender a extrair luz
Das trevas para a iniciática festa
– sabedoria da noite de mistérios!
 
Portanto, preciso decidir uma questão
Difícil para alcançar minha Iniciação:
Abandonar a paixão que me confina!
 
A mente duvida, reluta, hesita,
Mas o coração já tomou sua decisão,
Que após a iniciática cerimônia solene
Ficará para sempre gravada na memória
Das árvores do Bosque da Perdição!
 
 
VIII – A Iniciação.
 
Ao terminar de escavar certas letras
Do Alfabeto das Bruxas nas árvores,
Passo a escrevê-las em mim mesma
Pronunciando o seguinte encantamento:
 
“Escrevo meu nome
Nas árvores perdidas
Do bosque há gerações ungido
Pela escuridão lunar;
Teu nome, porém, escrevo
Com sangue íntimo entre os seios!
 
Meu nome ficará para sempre
Na memória das árvores;
O teu desaparecerá diluído
No sangue que meu ventre vomita:
Ao fim do ciclo purificador,
Nada mais de ti restará em minha intimidade;
Do calor que palpita em meu seio serás
Lavado essa noite em cristalinas águas
E diluído correrás para a imensidão do mar!
 
Nas águas salobras do meu desejo
Serás sepultado, navegando
Na barca Viking que acenderei
Com minha morte para ressuscitar
Sobre nossas cinzas, gloriosa
– imortal como a bela Fênix serei!
Este será o ultimo fogo que terás
Do meu seio e do meu ventre
– despede-te do amor e do desejo,
pois neles morrerás e para eles morto estarás!
 
Para a mulher que morre nessa clareira,
Serás o último homem de uma linhagem
Que escravizou a ela e às suas ancestrais;
O último homem que agrilhoou seu coração
E apenas uma sombra, um fantasma
Do passado da mulher que hoje nasce, renasce
– palavras perdidas em páginas esquecidas,
aprisionadas no meu Livro das Sombras
e arrancadas do meu Livro da Vida!”

 
Terminado o encantamento,
Ajoelho-me diante do riacho,
Sobre os seios cruzo os braços
No sígno da incógnita divina
E fecho os olhos, dizendo:
 
“Juro-te fidelidade, nobre coração;
Guardo-o selado e protegido com sangue!
Diante da Matriarca e de suas filhas
– minhas irmãs – juro fidelidade à antiga
E preclara tradição da Lua Negra!
Que a deusa me ilumine
Nas noites mais profundas,
E que me sangre
Em eterno eclipse
Ao trair meu coração,
Minhas irmãs e a Ordem!”

 
O ambiente cheira
A fogo e ferrugem
Ao terminar o antigo
E sagrado ritual
Do culto à parte oculta
Do Eterno Feminino
– ritual de cumplicidade
entre mãe e filha,
irmãs e amigas!
 
IX – A Sonhadora: Feitiço de Amor Verdadeiro!
  
Não mais viverei a ilusão do amor
No rosto de cada homem que encontro
– não mais provarei o fel da desilusão!
 
Toda mulher é sonhadora,
Ainda que assim não se veja,
Ainda que oculte esse traço em sua face,
Ainda que de tão calcificada e descrente,
Em sua couraça hostil e silente,
Os homens assim já não a vejam mais
– por dentro ainda racha e sangra!
 
Ainda que a maturidade a alcance
No corpo, na alma ou na mente,
E ainda que nem para si mesma admita,
Toda mulher tem um pouco de nostalgia,
Um pouco da adolescente que foi
– meio mulher, meio menina –
Da Princesa dos Contos de Fadas
E dos sonhos pueris com um mundo
Encantado onde finais felizes existem,
Por isso abandonei minha hipocrisia
E desabotoei o vestido que disfarça
E esconde os sonhos mais ingênuos
Guardados em meu cálido seio,
Para uma vez última expor
Timidamente minha intimidade
Em meio à minha Iniciação
Onde realizei o Feitiço de Amor!
 
Não me entregarei a homens
Que partirão meu coração
Ao tentar romper seus fortes
Selos mágicos de proteção!
 
Guardo meu frágil coração
Para o único homem que romperá
Seu poderoso selo de proteção
Com um beijo de amor verdadeiro;
Aquele homem que meus sonhos permeia,
Aquele rosto que nunca vejo,
Que me envolve em seus braços
E me deixa saudosa ao despertar,
Sofrendo por um amor sem rosto ou nome
Que me foi fadado pela Fada
– minha grande incógnita,
meu grande tormento,
a chave que encaixa
e me abre totalmente,
minha Chave Mestra,
meu amor verdadeiro!
 

Julia Lopez

18/03/2013


Foto: Demonic tamptations, de Michael G. Brown.



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Julia Lopez
Enviado por Julia Lopez em 21/03/2013
Reeditado em 11/01/2024
Código do texto: T4199817
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