A CIDADE E A SAUDADE DE VOCÊ ou A ÚLTIMA ÁGUA MINERAL DO DESERTO

A cidade sem você

é fotografia

desfocada

em noite fria

quando a chuva

e a névoa espessa

encobrem

todas as formas

e anestesiam

as luzes.

Na cidade sem você

falta-me o ar

e a intimidade

com as ruas

e os prédios antigos

algo que te ensinei

sem suspeitar

que depois

usarias

para se perder

de mim.

Pela cidade onde você

era a música

e a alegria

silenciaram

todas as orquestras

todas as sirenes

das ambulâncias

todos os sinos

das igrejas

todas as baterias

das escolas de samba

deixando no ar

o silêncio de depois

do apocalipse.

Nenhuma outra cidade antes de você

fora tão desmedidamente bela

com seus olhos brilhantes

presentes em todos os sinais de trânsito

tuas mãos a afagar as paisagens dos finais de tarde

nesses dias longos de horário de verão

e teus pés flutuando por sobre o asfalto das ruas

que se faziam instantaneamente vazias

só para não ofuscar o teu raro encanto.

Sem que eu esperasse

a cidade sem você

de repente perdeu o sabor

feito comida sem sal e sem tempero

tornando-se feia e sem graça

início de ano sem janeiro

lua cheia em noite nublada

cerveja que não veio gelada

palhaço de cara amarrada

a última água mineral do deserto

em uma triste garrafa quebrada.

- por José Luiz de Sousa Santos, o JL Semeador, em 26/10/2012, na Lapa, voltando a pé pra casa, depois de assistir à Exposição sobre o Impressionismo no CCBB –