Amor de Duas Almas

De repente um grito do quarto ouviu-se

E a luz apagou-se no cobrir do manto,

Sem muita demora o médico disse:

- Ele faleceu. Começou o canto...

Algumas faces ensaiavam o pranto,

Esperança diluída num choro!

No mais, não restava tanto...

Há não ser derramar o coro.

Já era possível vê a apreensão que se fazia,

Alguns tilintar de taças formava a percussão

Da canção que era entoada com alegria,

E a lágrima dava lugar ao riso contido no coração.

Começavam as partilhas dos bens,

Ao som de aplausos e contentamentos

E perguntavam: - O que mais tens...

Para dividir neste testamento?

De sua cadeira o juiz vos diz:

Nada mais. Exceto uns versos amarelados,

Cânticos e poesias de um ser infeliz,

Nada mais que possa ser valorizado!

E os urubus se retiram descontentes,

Afinal, é da ganância humana querer sempre mais

-Já nem mesmo o peito deixou de ser quente,

-Nem mesmo o defunto descansou em paz!

-E já foi esquecido e furtado- o juiz falou.

Quando já tardava e a lua dava boa noite ao céu,

Uma menina com os olhos cheios de dor,

Adentrava, cumprimentava o juiz e despia-se do véu...

E de sua voz serena quase aveludada,

Veio a seguinte afirmação:

- Vim atrás da herança valorizada

Que o poeta carregava no coração!

- Desculpe-me donzela, tudo que existia...

E que este homem tinha no universo...

Foi dado à seus amigos e entes da família...

Sobraram apenas estes pobres versos.

Sorrindo de ironia, lhe disse a mulher,

Cheia de verdades e fé:

-Então acho que não me ouviste...

Falei a herança de maior valor que ele tinha...

Exatamente estes versos que proferiste,

São os que procuro nesta vida minha!

-Mas esses versos não têm valor,

Nem mesmo em marte, disse-lhe o juiz.

-Têm sim, são meu amor e dor,

Minha alegria e a razão de eu ser infeliz...

Sorrindo, a pálida morena falou.

Curioso o juiz estranhou e perguntou:

- Como assim?

- Todos esses versos um dia foram feitos para mim!

-Aqui estão os sofrimentos que lhe fiz passar,

Descritos como um diário de ressentimento e paixão,

Ora cruéis plenos de ódio e pesar,

Ora apaixonados e cantados do coração!

Fui a musa que ele enobrecia pelas madrugadas,

Quando em súplicas seu peito pedia meu calor,

E fria eu lhe matava e ignorava como nada,

Intimidando-lhe com palavras vazias de rancor!

Hoje, já não existe nada que possa me perdoar,

Há não serem esses versos que guardarei

Como jóias de alguém que me ensinou a amar

E que hoje não posso dizer que lhe amei.

Do céu, o poeta assim como a musa caía...

Em prantos sinceros de amor.

E Deus ouvindo, sorria...

Encantado, até que falou:

-Procurei em todos esses anos,

Um amor verdadeiro de duas almas,

E meu pensamento não teria calma,

Separar esse amor tão humano!

- Vá e encontre sua amada,

Cumpra a eternidade do teu sentimento,

Faça dela a mulher mais apaixonada

E descreva sua musa, seu monumento!

E o poeta à terra desceu,

Trazendo na alma seu amor infinito,

Puro e benzido por Deus,

Pleno e grandiosamente bonito!

Para espanto do juiz que quase morreu,

E do médico que jurava sua morte,

Ele levantou do seu leito e reviveu,

Sorrindo e respirando forte.

Olhou-a, sua musa ainda espantada,

Devido ao seu renascimento,

E disse-lhe: - Oi namorada,

Musa, meu eterno monumento!

E continuou: - Não tenha medo!

Deus nos concedeu uma vida,

Para mostrar este segredo,

Que é amar sem despedida!

Recuperado do assombro,

O médico lhe informou:

- Mas agora dos seus bens não há nem escombro,

Pobre ficou!

E sorrindo, com um ar nobre,

Respondeu repleto de fé:

- Não se preocupe, não sou pobre,

Tenho minha musa, minha mulher!

“A mulher que tem as formas do mar

E a plenitude do descanso numa montanha

Que não preciso dormir para sonhar,

Basta-me seu sorrir e meu espírito se acanha.

A musa eterna que me delira,

E faz o peito escrever poesias,

Minha mais secreta lira,

Que me enobrece de alegrias!

Não haveria neste mundo uma riqueza,

Tão verdadeira quanto a que tenho,

E por isso lhe digo que venho,

Ser o homem mais feliz dessa natureza!”

E já tomando a mão de sua morena,

Foram caminhando rumo à beleza do oceano,

E já distante virou-se para sua pequena

Beijou-lhe e disse: - Eu te amo!

Ela calada, quase encantada...

Sorriu e falou: - Eu também te amo!

Pronto! Estava concretizada...

A maior verdade de um humano!

A força que rege o coração e a poesia,

E desce pela alma e enche-a de cor,

Tão divino como a noite e o dia,

O universo chamado amor!

FIM

Kleber de Paula
Enviado por Kleber de Paula em 27/05/2011
Reeditado em 04/06/2011
Código do texto: T2996617
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