contar Tudo

Agora que sei

Que você se foi

Posso te dizer,

Por que sei que não

Vai saber,

O quanto doeu

Deixar você.

E eu vou dizer,

Vou dizer Tudo,

Vou abrir o porão

E soltar todos

Os cães feridos

De morte

Que minaram

Dentro de mim

Que ia deixar você.

Eu vou soltá-los

Numa dessas

Madrugadas vazias

A correrem pelas

Ruas e calçadas

A se debater em postes

E pedras

E bueiros,

E pontas de ferro,

E fogo...

Dando liberdade aos

Seus grunhidos

Seculares

De raiva

E medo

E dor

E esperanças frustradas

E afetivos abandonos...

Vão correr,

Congestionar essas

Vias largas e frias

Das Madrugadas estradas

A se morderem

E se odiarem

E se amarem

E se matarem.

Cães e madrugas estradas

Que se formaram

Das profundas

Chagas que

Também se formaram

Arrebentando-me

Todo,

Me aleijando todo,

Quando deixei você.

Vou gritar bem forte

No sereno da noite

E é nesse grito

Que vão sair,

Vão sair sim,

Para ladrarem

Nos abismais

Labirintos do Nada,

Do vazio que ficou

Onde eu tinha um coração

Quando eu deixei você.

Agora eu vou te dizer

Quantos mortos eu carrego

Dentro de mim,

Sempre em apodrecimento.

Vou levantar a Lona

E te mostrar suas faces,

As faces desses peculiares mortos,

Estatizadas,

Rictadas ainda da última Dor,

Da dor fatal e mortal,

Que sentiram quando morreram

Quando deixei você.

E você não vai ver

Que em cada saco

Desse porão obscuro,

Há um defunto chorado

Nas horas congeladas

E todos em particular

É um Eu,

Um eu que morreu,

Um eu que constantemente faleceu

Quando eu deixei você.

Agora que não podes

Mas ouvir nenhum choro

Vou libertar a essas Crianças

Crianças que ficaram órfãos

Quando eu deixei você.

Agora que sei que

Você se foi

É que vou te dizer isso

Apenas porque sei

Que você nunca

Vai saber que eu

Pensei isso,

E mais...

E é esse Mais que

Que vou dizer,

Eu vou contar tudo,

Tudo, tudo mesmo,

Eu vou libertar tudo,

Tudo que emergiu

Do canto mais silencioso

E escuro

Quando eu deixei você.

Corações apunhalados

Miríades de miríades

De seres inventados,

E todos muito custado,

Mas nenhum deixou

Testamento, uma cor...

Pois Um, ao morrer,

Por outro era trocado,

E este, depois,

Ia-se também

Sem nenhuma vontade

De Ser...

Não queriam mais ser

Nenhum deles,

E foram tantos,

Depois que

Não podia mais

Encontrar o seu

O meu olhar...

Agora que sei de tudo,

Tudo explicar,

É que vou te dizer,

E eu vou dizer tudo

Tudo, mesmo que

Tudo Seja apenas sobras

Que sobrou do meu

Conviver com você.

Eis que por amor

Deixei que partisses,

E você Partiu...

E eu aceitei o distanciamento

Para poder te dizer

Que vou dizer tudo

Tudo, tudo, tudo...

2003

Sebastião Alves da Silva
Enviado por Sebastião Alves da Silva em 30/05/2010
Reeditado em 30/01/2013
Código do texto: T2289270
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