POEMA À FLOR DA PELE
Ninguém faz arte impunemente.
Ninguém faz arte sem colidir com a vida,
de frente,
destroçando-a
e deixando-se destroçar por ela;
seguindo, depois, no seu caminho
sem se importar com os espinhos,
sem parar para lamber as feridas
ou ajuntar os pedaços espalhados.
Ninguém faz arte sem restar seqüelas.
Ninguém faz arte sem nela imergir.
Ninguém faz arte sem antes devorá-la,
com mais do que fome - gula,
no almoço e no jantar,
para, logo logo, vomitá-la,
límpida ou turva,
antes de completa a digestão.
Ninguém faz arte sem amputar, de si, o real,
- operação difícil,
corte traumático, de impossível anestesia –
desmembrando-o, eviscerando-o;
bebendo-lhe o sangue ainda quente,
roubando-lhe a essência e a angústia.
Ninguém faz arte sem transgressão.
Ninguém faz arte sem que lhe role o pranto.
Ninguém faz arte sem dissabores,
sem joelhos ralados,
sem ter medo de sombras,
sem se fazer ridículo,
sem parecer patético,
sem trilhar estradas por ele mesmo desbravadas,
sem apaixonar-se, não pelo belo,
mas, pelo que é desencontro,
pelo que não é ele, e sim, o outro.
Ninguém faz arte sem trapaças.
Enfim,
não falo por ninguém, a não ser por mim:
Ninguém faz arte sem desengano.
Ninguém faz arte sem tudo desaprender.
Ninguém faz arte esquecido de que é humano.
Ninguém faz arte se não viver!
- por JL Semeador, em 14/10/2009 -