O TRINAR DAS AVES
Fruto de uma tremenda insónia,
que me fez percorrer o quarto,
de lado a lado, mais parecendo
um louco embriagado,
sofrendo das consequências do
intenso frio, a essa hora da madrugada,
e sem nada o que fazer,
dei o meu peito à rígida natureza, e,
sem mais nada ou afrontamentos,
abrir a janela.
Não sabendo de onde tal
coragem, debrucei-me em seu parapeito,
e uma miríade de sons, invadiu meus
ouvidos, ainda que meio abafados,
pela força fulminante do vento.
Ante mim, à luz trémula, do candeeiro,
insectos loucos, de encontro ao néon,
perseguia-os os morcegos,
enquanto sombras de gatos passavam,
como num imaginário surrealista.
Mais abaixo, o róscido, tomando conta
das flores do jardim, que envolvem os
pobres prédios, fazia tombar as frágeis
criaturas, dando-lhes um aspecto desolador,
e, nem fixando a vista, cor alguma
ressaltava.
Gelado mas corajoso, deixei-me ficar,
e pousei meus olhos, nas águas quietas
do rio, salpicadas de lâminas de prata,
emprestadas pela lua, que se encontrava
bem visível, senão arrogante,
entre o contraste de sua própria luz,
com o negrume bem acentuado da noite.
Até que, sem me dar conta do tempo,
vislumbrei, detrás do rio, a horizonte,
onde a água casa com o céu,
o vermelho do nascer do sol, a que se
juntaram as primeiras aves, dirigindo-se
para as margens, de um encontro ritualizado.
Agora sim, já sem frio e satisfeito,
resolvi-me deitar, fulgia o sol,
em toda a sua grandeza, dando razão
a um novo dia, que se enchia de trinados.
Jorge Humberto
27/11/08