Indizivelmente Poético
'Dá-me as borbulhas do champanhe que tens nos lábios.
Roça-me em beijo com a madura tez de pêssego.
Brinda-me claridade em ser de tua taça...'
O terceto acima pretendia ser o ínício de um sincero poema festivo,ainda que dolente,para um novo ano.
Ocorre-me,porém,aquele lapso:é uma parede interposta entre o desejo de dizer,o sentimento incontido e as palavras, o que visualmente resulta em quase nada.
Porque a rima empobrece, o ritmo vagueia e o miserável verso vagabundeia anêmico.
Lembro-me,então,que a poesia é maior do que o poema,pois anda vestida do sentir.
A poesia mora na rua.
Visita a tua casa,vive nas tuas gavetas.
A poesia a tudo espreita: senta-se contigo à mesa do café e com o parlamentar,emposta-se em palanque.
A poesia passeia nas favelas e mansões.
Vela o sono do menino acuado;deita-se na cama 'king size'.
Come de todas as mesas,bebe de todos os cálices,dorme e desperta sob todos os céus .E é faminta ,e é sedenta, e é insone.
Vigia e controla.
O poema é figura difícil ,pouco dada à convivência.
Te visita, somente quando ele deseja.
Não participa de todos os círculos.
É menos popular,mais reservado.
A poesia está no peito; o poema,às vezes,está nas mãos.
Não se pode dominá-lo.
Mas,é ele que controla.
Assim tem sido o passo do meu tempo:
sentidamente intenso, incontrolavelmente vivido.
Um poema tão indizível,quanto irrecuperável.
Feliz verso novo!
Felizes tempos!