Pela Janela
Eu sou um androide sem par
que ri sem sentir
que espera o retorno de alguém
que não virá
mesmo dizendo a si mesmo
que não espera, ele espera
Que há muito não come
que há muito não respira
Que os programas de quinta
se tornaram tentar se matar
Eu sou um Rei solitário em
um castelo
Cuja população foi dizimada
e que permanece sentado
no seu trono de ouro
vivendo de lembranças
de um passado que não retornará
mas que não pensa em ultrapassar
as muralhas
pois escondendo-se atrás delas ainda há
a ilusão de proteção
Eu sou uma cigana
que lê o destino nas mãos das pessoas
porque não tem um próprio destino
e que vive a vida de tantos outros
que anda sem rumo
deixando se levar pelo vento
que deseja o amor
mas que se revolta a qualquer sinal deste
que foge pra outro canto
sem deixar pistas
para que não a encontrem
Eu sou um caminhoneiro bruto
que já nem lembra de seu próprio endereço
mas que ainda lembra do cheiro da sua amada
sem mesmo lembrar dos traços do rosto dela
que sonha em voltar pra casa
mas que perdeu a direção
caminha sem rumo
em busca do infinito
mas o infinito é nunca
então ele passa a vida rodando
sem nunca parar
Eu sou um alguém que
se preenche de coisas vazias
por medo do que realmente poderia engradecer
Alguém cheio de sentimentos belos
que os faz apodrecer
pelo prazer de se punir
pois quando ama, ama muito
Que não consegue
se livrar do que sente
mas que foge disso eternamente
e por isso vive a sofrer
Eu sou essa pessoa que tem
passado anos admirando o quadro da própria vida
como quem olha da janela uma pintura realista
Parada assim de lado e quem olha de fora
até pensa que ela seja bela
mas ela é dessas que de longe se aprecia melhor
e que aos suspiros e nostalgias pensa
que talvez fosse melhor
não fazer parte de tal tela
mas que olhada assim de longe
parece até sorrir
e mais enigmática nos dias de chuva
para quem olha e pensa
que ela parece está serena
Mas para mim que faço parte de tal obra
traçada com tanto sentimento e cores
sei que esse quadro guarda um mistério
que espera para ser decifrado
e que olhando assim de perto
parece mesmo um quadro bem bonito
parece que ele está vivo
Mas só as vezes quando fecha-se os olhos
pode até se ouvir
aquela moça pintada na tela,
parada na janela,
o vento bagunçando seus cabelos
enquanto ela chora
e aos soluços diz que ainda lhe espera
e que nunca irá partir.