TERRA SEM ANCESTRAL

TERRA SEM ANCESTRAL

 

Tinha um sariguê me olhando,

Com a câmera de um paparazzi,

E não viram meu gato sonhando,

Enquanto, aos gritos, miasse.

 

Não somos distantes dos bichos,

Ainda mais se forem mamíferos,

Ou até pelos breves cochichos,

Como botos buscando aquíferos.

 

Nós já fomos as feras no mundo,

Só em busca de resto e carniça,

Se esgueirando como vagabundos,

Qual a hiena de um analista.

 

Não consigo sorrir tendo medo,

Nem zombar de leão implacável,

A não ser que saiba o segredo,

De onde esteja a água potável.

 

Haverá quem só coma o que vê,

Mas serei quem planta tempero,

Pois não fico olhando buffet,

Mas me viro como brasileiro.

 

Sou da terra sem ancestral,

Desde quando vivi em África,

Com o lado do meu neandertal,

Porque vi a Europa na cáfila.

 

Foi na época de seca geral,

E eu pude cruzar o Atlântico,

Pois desci pelo mar de Aral,

Da estepe de gelo romântico.

 

Tudo no frio vive por encanto,

Como os linces, lobos e ursos,

Porque duro é o gelo sem manto,

Como o pobre sem ter recursos.

 

Mas descendo pela tropicália,

Os guarás caçam em Pindorama,

E o índio festeja em Cabrália,

Revivendo as tabas sem camas.

 

O costume da rede é indígena,

Mas sulistas culpam o nordeste,

Pois não sabem a dor da urtiga,

Ou sofrer sob a seca ou peste.

 

Mas aqui, com cipó de caboclo,

O lombo dói em dez chibatadas,

Mas é bom não ter um gabiroto,

Donde lembro estórias contadas.