LUVAS DE CETIM
(Samuel da Mata)

Depois de meses na enfermaria
A velha por fim agonizava
Dilacerada em dor, gemia
Porém nada mais ela falava

Não que a sua voz tivesse acabado
Ou que não se lembrasse mais das falas
É que sagradas eram as vozes do passado
E não queria vê-las agora perturbadas

Gemia assim, triste e sozinha,
Não mais clamando a dor da morte
Mas por ver, assim, quão mesquinha
Podia ser a vida em sua sorte

Mãe dedicada de oito filhos
Todos em lágrimas e dor criados
Mas dela há muito, já todos esquecidos
E por seus próprios destinos obcecados

Foi quando por fim ouviu a enfermeira
- Chega-te aqui Senhora, até a cabeceira
Dê a ela a sua mão neste último momento
Será por certo um bálsamo ao sofrimento

Num esforço final, a velha disse com voz turva
Eu quero é a sua mão, por favor, retire a luva
Depois clamou por fim: Esta mão não é Maria
A mão dela, eu lembro, tinha alma e eu sentia


 
Samuel da Mata
Enviado por Samuel da Mata em 14/11/2013
Reeditado em 06/09/2015
Código do texto: T4571107
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