A dança das chuvas
Sou apaixonado por chuvas, não essas chuvaradas medonhas que arrasam tudo, mas todas as outras, mesmo as mais fortes. Intriga-me esse ritual cíclico que elas cumprem. Daí, esse meu olhar para esse bailado, esse movimento, essa dança... "A dança das chuvas..."
Dança de quedas
sem tropeços.
Caminhos que vêm,
sempre assim.
Chuva, passo sem começo,
sem avesso...
chuva, indecifrável fim.
Chuva fininha,
chuvisco...
Desce em forma de ciscos,
riscos a cair do céu.
Parecem rabiscos finos
desenhados no papel.
Chuva que vem do nada,
atrevida... chuva arteira...
Nem bem chega e vai embora,
passa logo, passageira...
Passa e deixa seu rastro,
no cheiro do chão, da poeira.
Chuva forte, chuvarada,
copiosa e demorada,
chuva que assusta a gente.
Chuva intensa e escancarada,
que bate e rola na estrada,
arrasta o que está na frente.
Vira rios de enxurradas,
enche os rios, vira enchente.
Chuva miúda... garoa...
névoa que desce,
chuva à-toa.
Desce lenta e devagar...
e na preguiça do compasso,
emaranhada em tanto abraço,
parece que dança no ar.
Chuva que bate,
que rola...
chuva que lava e que molha,
que escorre e que faz sonhar.
Chuva que insiste e não passa,
desce lambendo a vidraça,
com graça a serpentear...
Chuva, canto ritmado,
bate e brinca no telhado,
até o dia clarear.
E na calma que à noite traz,
inunda o sono de paz,
faz o amor despertar.
Chuva que limpa, que lava
e leva a vida, terra adentro,
chuva, santo alimento,
presente quando o céu chora.
Chuva que anda, que corre,
chuva que vai vida afora...
Chuva peregrina dança,
de andanças, todas, tantas,
nesse eterno caminhar,
descança na calma dos lagos
e na força viva dos rios,
desagua no cio do mar.
Chuva, que cedo evapora,
na sede do sol, vai embora
e sobe pro céu lentamente...
chuva que vira nuvem
e vira chuva novamente...
Do livro Travessia