NO TEMPO

Longe vão os tempos,

Dos poemas iniciais,

Alimentados a álcool,

Palavras piramidais.

Na mesa escolhida,

Só a cadeira se alternava,

O Bar era o meu Templo

E à escola me furtava.

De tarde ou de noite,

Todo o santo dia a escrever,

Com lápis ou caneta,

No papel que tivesse haver.

E da porta principal,

A chuva, se caía,

Acordava-me p’rá rua

Que lá fora eu sabia.

E o Alfredo, Aleijadinho,

Mão na perna estropiada,

Falava-me da guerra,

Ao som da chuva aliciada,

Dos amigos que caíram,

Numa luta sem sentido,

Do País, regressando,

De corpo ofendido,

Nas lágrimas teimando,

E da vergonha que sentira,

E que ainda hoje perdura

Por uma guerra de mentira.

Disto, e de muito mais,

Escutava eu do Alfredo,

Dos pesadelos à noite,

Acordando-o para o medo

Das ruas opressivas,

E na cabeça um hiato,

Ou animal julgando-se,

De álcool fixo no palato.

E se a conversa já ia longa,

O Alfredo, Aleijadinho,

Mão na perna mutilada,

Sorriso de adivinho,

No seu passo trepidante,

Novos rumos buscava,

E absorvendo a multidão,

O Rei da sala logo se julgava.

Longe vão os dias,

Das tardes escolhidas,

Para serem o sangue,

Destas veias feridas,

Pela Espada da Poesia,

Que, mais que uma opção,

Surgindo do nada neutro,

É antes de mais uma condição.

Jorge Humberto

in Fotogravuras II

Jorge Humberto
Enviado por Jorge Humberto em 21/11/2006
Código do texto: T297154