A dor mais doída
A dor mais doída
É a que não pode ser detectada
Por nenhum aparelho
E que nem no corpo reflete nada
A dor mais doída
É uma imagem estragada
Que não se ver
Uma ferida aberta
Aos seres da madrugada
Com abutres a te comer
O fígado
Os órgãos
O coração
Mas que mesmo assim
Você consegue sobreviver
A dor mais doída
Chega sem a gente perceber
Faz cair o teu olhar sob o chão
Cria abismos dentro de ti
E dentro de ti
Tempestades
Maremotos
Terremotos
Furações
Tornados
A te levar
A quebrar, revolver o teu interior
Despedaçando os teus ossos
E pensamentos,
Causando-te a mais terrível destruição
A dor mais doída
É uma dor sem explicação
Podes até sorrir
Mas chora
Aos gritos mais estridentes
A dentes rangentes
De uma espécie de frio
Que te congela
E de deixa demente
A dor mais doída
Subjuga tua alma
Te faz recolher
E te recolhes às avessas
Sem calma
Carregando-a como morta
A recolher-lha alma perdida
Onde pensas ser seguro
No canto mais escuro
Mais recôndito de teu coração...
A dor mais doída
Não dói continuamente
Chega devagar
Faz morada na tua mente
E aos poucos começa a se revelar
A qualquer momento
Quando sem motivo
Ela pode te dominar,
Te sentes assim descontente
Sem nenhum motivo aparente...
A dor mais doída
Existe em toda gente...
A dor mais doída
Não tem remédio
Não adianta se esconder
Se embrenhar em meio à multidão
Ela nunca erra
Dardeja-te violentamente
Com lanças pesadas
E flechas envenenadas,
Te deixa no rés do chão
A dor mais doída
Não tem uma causa definida
Ela vem, ela vai
Mas volta sempre
Às vezes adentra o teu quarto
O teu leito de abandono nas ruas
Levanta o teu cobertor
E deita ao teu lado
Dormir junto a ti
E parece gostar de ti
Acarinhando-te,
Acariciando-te como uma mãe
Que te conhece
Antes mesmo de nasceres
Cantarola canções que talvez nunca chegaste a ouvir,
Ela te faz dormir mais
E adentra nos teus sonhos
Transformando tudo em desesperados pesadelos
Dos quais, de tão reais,
Achas que não vais resistir
E que ali mesmo no mundo onírico
Vás sucumbir...
Não importando a tua idade
Nem os bem que tens
A tua originalidade
Os brasões que teima em carregar
Na testa...
Isso não a impede
Nada a pode deter,
Não importa se foste feito
Ao leite moça
Ou se não tem carne
Suficiente no corpo
Para os dentes esconder
Ela vai a todos os continentes
E pega quem come e quem não come
Quem tem e quem não tem
A dor mais doída
Não diferencia ninguém...
Se teu dente é de ouro
Se teu sorrido é de marfim
Não a pode suborná-la com tesouros
A dor mais doída iguala a todos
E a todos ela persegue até o fim...