Três vezes...

Morrer três vezes,

Três vezes visitar o próprio túmulo

Rezar três vezes,

Três vezes escorregar sem rumo...

Casar três vezes

Três vezes preparar o caixão

Chorar três vezes

Três vezes beijar o rosto

De quem se amou profundo

Três vezes se despedir

Vendo para outro mundo

A passagem se abrir no chão

Três vezes com três mulheres

Ter três filhos

E cada filho ver partir

Como se disso não se pudesse fugir

Enquanto se faz no âmago do coração

Uma casa

Uma varanda

Uma rede,

A escuridão

E o frio da noite

A morder a alma

De quem de tanto amar

Já não sabe

Como deve agir

Para evitar

Outra constipação...

Três vezes cair

Três vezes se extirpar na mesma dor

E ainda três vezes se perguntar

Para que se foi inventado o amor

Se o mesmo que esperança dá

Às vezes, e quase sempre

O mesmo diz

Que é melhor nunca nada esperar...

Três vezes cheirar

A flor nascida do monturo

Dos escombros desalojados

Que se fizeram em e de nós,

Três vezes ouvir a mesma voz

A nos chamar quando pensamos

Estar absolutamente a sós,

Três vezes no mesmo dia

Ver de leste a oeste, já não tão estranha,

Se espalhar

Grande escuridão a reinventar

Realidades para que sigamos

Sob os signos de nossos sóis

Lágrimas sublimam

O vapor

Nossos olhos a cozinhar

Três vezes lugar procurar

Três vezes não achar

Três vezes

Três vezes morrer

E o próprio morto

Se enterrar...

Três vezes receber o tapa

Três vezes ver o sangue derramar

Levar as mãos o rosto por três vezes

Numa repetição que nunca vai se acabar...

Três vezes confiar

Na mão que se te larga

Sob a luz de três olhares

E três vezes ir

Pensando três vezes que

Nunca mais irá voltar...

Todavia o que se vai

Sempre se nos volta

E é preciso muitas três vezes

Para aceitar

Tudo sem revolta...

Três vezes

Três arquitetações de se matar

Três vezes parar

E três vezes recomeçar

Enquanto a Noite vai a dentro

Procurando três vezes

Aquele que três vezes quase apareceu lá,

Do outro lado do espelho

Espelho espelho meu...

Espelho espelho eu...

Ainda que eu continuasse

A alongar mais esses alados dedos

Postos em três mãos escondidas

A cantar por três eternidades,

Não conseguiria

Jamais esvaziar esses meus corações...

Os espelhos lado a lado

Se refletem mutuamente num infinito

E os seres invisibilizados

Não se mostram

Mas todos estão ali

A esperar

A esperar

Que um dia

As três vezes deixem de existir...

Sebastião Alves da Silva
Enviado por Sebastião Alves da Silva em 29/03/2008
Reeditado em 04/12/2022
Código do texto: T922167
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