Meu coração

Meu coração cais sem embarcações;

navio encalhado ao largo;

âncora esquecida no fundo do mar;

barco velho de quilha virada numa praia deserta.

Meu coração escombros de um império ignoto;

salão suntuoso que guarda a memória pomposa

de um tempo que ruiu;

cárcere irremediavelmente fechado -

o carcereiro atirou a chave ao mar.

Meu coração aldeia saqueada por bárbaros;

cidade arrasada pela fúria cega da natureza;

beco escuro onde se cometem atos torpes;

cacimba vazia em leito de rio seco.

Meu coração gaveta por arrumar;

baú empoeirado no sótão da quinta;

rosa murcha guardada num livro de poesias;

folhas-mortas nas alamedas do esquecimento;

porão de escombros do castelo de areia que desmoronou.

Meu coração pórtico partido para o infinito;

ponte que liga o nada a coisa nenhuma;

cortina de bruma no horizonte incerto da felicidade;

livro do desassossego esquecido num banco de praça;

taça de cristal espatifada no chão da lógica;

mala esquecida no bagageiro do trem da alegria . . .

Meu coração grito de desespero sem eco nas cordilheiras da alma;

lareira apagada no inverno de ser . . .

De ser qualquer coisa:

fome de retirante,

sede de flagelado,

ânsia de náufrago,

delírio de bêbado,

angústia da tarde que finda ensangüentada . . .

Oliveira