NULIDADE
Eu, de mim, por mim, nada ganho, nem perco — vivo
E o que vivo não é para mim, senão ao outro eu com quem compartilho da mesma metafísica
Aos olhares inquisidores, porém, dos que se cruzam comigo na contramão sou nem um nem outro, mas qualquer coisa
E tantas coisas sou na mentalidade alheia, que alheio estou ao que realmente sou — e deixo de ser
Não que, na interferência avaliativa dessas concepções extrapessoais, eu perca minha essência
Mas o pouco que me reconheço em cada uma delas, fere-me como ao gado marcado para o abate
E, se me debato por entre currais estreitos, amedrontado pela seriedade com que adornam-me em quesito de caráter, mediante atitudes desprovidas de contexto
Recorro ao texto, não por defesa, mas por mera convenção de vontades
Da mente em turbilhão que se recusa àquele estado de dormência
Com a da proporção de verbetes que se dispõem a vociferar discursos acerca do autoconhecimento do ser
Como um todo enfático e gestual de uma prática braille ou de sinais, calada, meticulosa, expressiva, veemente
Visto-me do poder da palavra a fim de desvestir-me dos padrões do eu, quando por si só depreende-se comportalmente pouco expressivo
Incapaz de amar, de entender, de pronunciar, de avaliar quaisquer cousas que se esbarrem ao acaso consigo
A parte de mim que pouco fala, pouco vê, pouco gesticula e mal dança
E vive de um sonho de agir, de uma mudez de falar, na ânsia de um despertar que lhe remeta à prática da realidade feroz, vívida, altiva adjacente
Em um querer velado, mas nunca sepultado...
23 de junho de 2019
Poema publicado em:
PUPO, Fábio Henrique. et al. "Verso & Prosa: Projeto Poesia na Escola". 6.ª ed. Brodowski: Editora Palavra é Arte, 2021.