Nerudeando

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Posso dizer-te que a noite está fria,

Que uma cortina de bruma encobre meu horizonte,

Que o vento sopra um gemido de angústia antecipada

E que uma neblina entediante encharca-me a alma.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Em noites como esta, fabriquei fantasias de ter-te

Entre meus braços e embalar-te com as canções

Que elegemos como trilha sonora de nosso amor.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Posso dizer-te que choro tua ausência,

Que me embriago de vinho pelos bares,

Que ando estrangeiro pelas ruas desertas,

Que me perco pelos becos escuros da cidade adormecida.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Posso dizer-te que vou por onde meus passos me levam,

Que já não alimento esperanças,

Que meu malogrado amor por ti dói-me

Como um punhal cravado em meu peito.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Posso dizer-te que meus olhos te buscam

Nos espelhos das vitrines,

Na noite multicolorida pelos letreiros luminosos.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Posso dizer-te que vagueio à beira-mar. . .

Ah, amor, afogar-me no mar,

Deixar-me levar como náufrago para as profundezas,

Mergulhar no abismo e perder-me de mim e de ti,

Esquecer-me desta vida e ser outro para além

Das cinzas das horas absurdas que devoram tudo

E que reduzem o tempo em poeira crepuscular.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Porque em noites como esta, minha alma se veste

De ternuras antigas, enche-se de tristezas depostas,

Se queda entediada como um cais de pedra-solidão

Na madrugada fria.

Oliveira