Não temo
A espreitar por uma fresta
Escondida entre as trevas
A morte está a me olhar
Na penumbra dá para ver
Um sorriso nela ao me observar
Contando sorrateira
Cada dia para mais se aproximar
Talvez pense ela
Que a temo ou dela
Desejo escapar
Mas o que ela não sabe
É que não sairei do lugar
Não a temo, e faz tempo
Não tenho porque me preocupar
A olho e não ligo
Sei que está ali comigo
Não temo a partida
Nem haverá despedida
Nenhuma lágrima a lastimar
O silêncio que há tempos
Veio comigo morar
Se fará também presente
Então, por que temer a morte
Se nessa vida não tive sorte?
Sei que meu tempo finda
E mais sozinha ainda
Sigo cada dia
Uma vida fria
Entre as longas horas
Vou relembrando a história
O sonho que não se fez
Plano que no ar se desfez
E nas lágrimas se desmancharam
Entre as mãos vazias
Um frio de intensidade voraz
Um pedido
Um não
Uma espera
Em vão
A vida carrega
O coração quebra
Resta chorar
Mas, nesse tempo
Não há mais lamento
Nem porque chorar
Não o choro de tristeza
Só cabe o choro da saudade
E os sonhos
Os enganos
Já deixaram o lugar
Velados sem sepultura
Desfizeram-se no ar
Quisera eu também
Fechar os olhos
Deitar o corpo
E me desmanchar
Ganhar o vento
Pela janela voar
Romper o espaço
Vencer o tempo
Ser poeira
No teu olhar
Partículas agarradas
Entrar pelos poros
No coração me instalar
Escondida
Quietinha
Morta a amar
Sem deixar que nada
Denuncie-me por ali estar
E depois de minha morte
Pudesse eu ter a sorte
De com quem amo estar
Agora compreendes?
Não temo a morte
Temo que o amor
Siga distante
Permanecendo dor
Depois que a vida terminar