DESCARTADO

Nos antanho

da minha existência,

na janela da infância,

o via passar

com passos

meticulosos,

sobre ladrilhos maltratados,

carregando

o mundo consigo.

Vez ou outra

parava em nossa porta,

oferecia algum

apapelado sorriso,

uma lágrima envelopada,

uma palavra

de retorno

ou um convite qualquer.

Minha meninice

desejava ser ele,

guardião temporário

das surpresas e emoções,

aquele que transportava

nas mochilas do tempo

a alegria de algum

destinatário,

ou a dor

dum obituário.

Entre suores e ofegâncias

ia ganhando seu mundo

e deixando tantos outros

para trás ...

do meu ingênuo olhar,

da minha frágil busca

pelo lépido corpo

que se esvaia

na primeira esquina.

Ainda hoje o espero

em alguma inocente janela.

As correspondências

sucumbiram

sob caixas de encomendas.

Ele já não anda,

galopa

em cavalos de metal.

Um dia,

quem sabe,

eu o encontre,

em barbas brancas

e mãos calejadas.

Talvez tenha se esquecido

de me entregar aquele envelope lá atrás ...

Mesmo com atraso,

hei de perdoá-lo

pelas décadas

de espera,

pois não há

um sonho maior

do que

uma carta perfumada,

de um amor

que não desabrochou.

Leonardo do Eirado
Enviado por Leonardo do Eirado em 19/05/2024
Código do texto: T8066543
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