DESCARTADO
Nos antanho
da minha existência,
na janela da infância,
o via passar
com passos
meticulosos,
sobre ladrilhos maltratados,
carregando
o mundo consigo.
Vez ou outra
parava em nossa porta,
oferecia algum
apapelado sorriso,
uma lágrima envelopada,
uma palavra
de retorno
ou um convite qualquer.
Minha meninice
desejava ser ele,
guardião temporário
das surpresas e emoções,
aquele que transportava
nas mochilas do tempo
a alegria de algum
destinatário,
ou a dor
dum obituário.
Entre suores e ofegâncias
ia ganhando seu mundo
e deixando tantos outros
para trás ...
do meu ingênuo olhar,
da minha frágil busca
pelo lépido corpo
que se esvaia
na primeira esquina.
Ainda hoje o espero
em alguma inocente janela.
As correspondências
sucumbiram
sob caixas de encomendas.
Ele já não anda,
galopa
em cavalos de metal.
Um dia,
quem sabe,
eu o encontre,
em barbas brancas
e mãos calejadas.
Talvez tenha se esquecido
de me entregar aquele envelope lá atrás ...
Mesmo com atraso,
hei de perdoá-lo
pelas décadas
de espera,
pois não há
um sonho maior
do que
uma carta perfumada,
de um amor
que não desabrochou.