Águas

Reconheço as águas que enchem esse leito

É este o rio, doce amigo

Que com as minhas lágrimas crescia

Com sua bravura

Os vales invadia

Sem piedade ou candura

São estes os vales que sabiam

De todo amor que eu sentia

É este o rio que consigo

O meu triste segredo recolhia

Foram essas árvores que ouviram

Os queixumes que só a mim digo

Sobre essa relva, meu amigo

Meu corpo pediu por trégua

Oh, ricas águas!

Que a meu peito carrega

Formosa terra

Que meus sentimentos enterra

Que descolorida sorte!

Amar sob o manto de breu

Afogada em águas de horrível fel

Largada em contrário sino

Em termos que me desterra

E por fim parto de ti, que o meu destino,

Atormentado de perpétuo abandono

Me leva por mil mares peregrina

Morta esperança, pretensão perdida,

Cego desejo, errado pensamento,

Suspiros contínuos são levados no vento,

Embrulhados nos lindos sentimentos,

Te peço, doce vento

Te peço, águas de meu tormento

Aceite meu último pedido

Levem consigo

Os despojos de uma alma entristecida

Desiludida com a vida

Fecundem noutros prados

E que assim recresça a dura e tenebrosa sorte

Para que depois nasça

Sentimentos que a alma descanse

E a mais estranha dor me será leve

A respeito do que agora tanto sinto

Lágrimas, confusão, dor ou morte,

Tudo assim se configura, tudo pinto,

E assim como essas águas

Correm para seu encontro perfeito

Que assim passe como desgosto breve

Parte-se o amor meu, parte-se a vida

De quem jamais o pensamento parte,

Mas não creias que as águas

Que de mim são parte

De me apartar de vós nesta partida

Sequem o leito nessa vida

Parte-se o coração,

Em infinitas partes

Em cada uma fica esculpida

Teu nome e tua gravura

Vossa figura vai na melhor parte,

Parte-se a minha alma, mas não parte,

Pois em cada parte

Tatuado estás e nem sabes

Que nos meus olhos fica recolhida

Tua imagem, tua figura

Oh! Quanto melhor seria se tudo passasse

Os suspiros e lágrimas ardentes

E na vossa presença eu descansasse

Do que provar o furor dos acidentes

Que minha dura sorte me prepara,

E viver em agonizante morte

Vertendo águas nesse rio incessante

Cobrindo-me dessa falta de sorte

Enterrada nos prados alagados

Ofegante afogada no leito salgado

Gabriela S V
Enviado por Gabriela S V em 16/05/2024
Reeditado em 16/05/2024
Código do texto: T8064723
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