GULA

A lua anda devagar,

mas atravessa o mundo.

Mia Couto

GULA

Um dia,

veio com fome de lua.

Despossuído de paixões,

queria resgatar antigas lembranças.

Seus olhos

se perderam

muitas vezes

naquelas contemplações.

Era um tempo que

via com a alma,

dedicava juras,

acalentava desejos

e outros segredos.

Apenas ela

estava presente

no confessionário das constelações.

Prometera a si mesmo

um dia retornar

para buscar os sonhos não realizados.

No fundo

queria ter com ela,

apropriar-se de todo brilho,

conhecer seus mistérios

revisitar promessas de antanho.

Aprendera

a arte da poesia

para seduzi-la.

De tantas tentativas vãs,

tornou-se canibal de si mesmo,

consumindo cada pedaço do passado

naquilo que ela

não pôde realizar.

Mas a saudade

era grande,

do tamanho da ausência,

da distância incontida.

Então passou a devorá-la

em noite enamorada.

Só não percebeu que engolira muito mais do que sua história.

Deglutira os sonhos de toda a humanidade

Desta noite em diante,

passou ter

refluxos,

nos fluxos

dos amores

e das marés

sempre que

em algum desses ciclos

sua antropofagia

era o alimento e o lamento

reclamado por quem

dela sempre se valia.

Leonardo do Eirado
Enviado por Leonardo do Eirado em 17/04/2024
Código do texto: T8043981
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