GULA
A lua anda devagar,
mas atravessa o mundo.
Mia Couto
GULA
Um dia,
veio com fome de lua.
Despossuído de paixões,
queria resgatar antigas lembranças.
Seus olhos
se perderam
muitas vezes
naquelas contemplações.
Era um tempo que
via com a alma,
dedicava juras,
acalentava desejos
e outros segredos.
Apenas ela
estava presente
no confessionário das constelações.
Prometera a si mesmo
um dia retornar
para buscar os sonhos não realizados.
No fundo
queria ter com ela,
apropriar-se de todo brilho,
conhecer seus mistérios
revisitar promessas de antanho.
Aprendera
a arte da poesia
para seduzi-la.
De tantas tentativas vãs,
tornou-se canibal de si mesmo,
consumindo cada pedaço do passado
naquilo que ela
não pôde realizar.
Mas a saudade
era grande,
do tamanho da ausência,
da distância incontida.
Então passou a devorá-la
em noite enamorada.
Só não percebeu que engolira muito mais do que sua história.
Deglutira os sonhos de toda a humanidade
Desta noite em diante,
passou ter
refluxos,
nos fluxos
dos amores
e das marés
sempre que
em algum desses ciclos
sua antropofagia
era o alimento e o lamento
reclamado por quem
dela sempre se valia.