Sou
Nas incandescentes chamas da vida
Já me vi tão perdida
Que cheguei a não me reconhecer
Cri que era o que me diziam
Cri no que em mim diziam ver
Sem sequer alguém realmente me ver
E depois de tanto tempo
Depois de ferozes ventos
Posso tranquila dizer
Sou vento que não sinto
Sou também o que sinto
Sou chuva e tempestade
Mas também sou sol de fim de tarde
Sou o silêncio que me grita
Sou a fala que não ouve
Sou um monte de palavras
Pelo papel largadas
Sou a tela que não pinto
Sou aquela em todas as cores
Sou puro cinza
Sou uma tela de amores
Sou o amor que já não acredita
Sou o sentimento verdadeiro
Sou carência infinita
Sou o sonho derradeiro
Sou companhia das vozes em solidão
Sou o silêncio do coração
Sou quem vive sozinha
Sou sua vizinha
Sou tranquilidade e paciência
Sou louca desvairada
Sou quem não espera por nada
Sou aquela em quem se confia
Sou inconstância ou substância
Sou a pedra mole
Sou a quem se fere
Sou o ser mais mole
Sou puro coração
Sou toda sentimento
Sou a total falta
Sou a tristeza do momento
Sou abraço dado no vazio
Sou cheia de frio
Sou sorriso de um lábio gelado
Sou um corpo congelado
Sou ânimo desanimado
Sou meu próprio carrasco
Sou sono acordado
Sou o sonho apenas sonhado
Sou música nas alturas,
Sou ritmo sem melodia
Sou a dança sem parceiro
Sou frio que aturo
Sou tudo que amarro ao silêncio
Sou palavra errada que machuca
Sou palavra falada ignorada
Sou um resto que vagueia
Sou quem não se deseja
Sou finda em cada dia
Sou a noite no dia
Sou a resposta sem pergunta
Sou uma poesia
Sou o vento que não sinto
Sou melodia
Sou puro ruído entre dois silêncios
Sou o teu silêncio antes de te desejar
Sou o meu silêncio após o desejo
Sou o beijo eternamente guardado
Em um beijar… Sem um beijo
Sou muitas coisas
Sou nada
Sou o que não merece ser dito
E muitas vontades que não se pode saciar
Sou o resultado da minha louca gritaria
Sou o resultado do que escolhi
Sou som
Sou silêncio
Sou riso
Sou lamento
Sou o vento que me controla
Sou a corrente que me leva
E nos assobios desse vento
Ele vai me dizendo
Que logo chegará o tempo
Tempo de reparar no aroma das flores
Tempo do fim das dores
O vento fala e me oferece
Tudo que me apetece
E por isso é que sou
Um tudo cheio de nada
Um tudo com nada dentro
Sou vento que só passa
Que ninguém dá morada
Sou os olhos que vendo não vêem
Sou o vento que faz poesia
Sou as letras compostas em harmonia
Sou o vento que te toca
Sou quem bate a tua porta
Toda noite
Todo dia
Sou o que ninguém vê
Sou eu quem sempre sente você