Casa abandonada
Como uma casa abandonada
As chibatadas do tempo
Vão deixando suas marcas
Paredes descascadas
Alma machucada
Teias de aranha presas no teto
Coração carente de afeto
Largado num canto qualquer
Sem ter quem o quer
Como os pedaços de uma porta
Meio presa, meio solta
Torta
Rangente de uma forma louca
Do telhado os pingos da chuva
Molham o chão cheio de poeira e folha
Formando uma lama entre algumas bolhas
Caem esses pingos nesse chão
Misturam-se com eles as lágrimas
As lágrimas que a dor provoca
Que a mão não toca
E dentro dessa casa
Vazia
Cheia de coisas mortas
Ao abrir a porta
Ouço passos, ouço uma voz peculiar
Aquela voz!
Que deixa uma frestinha de luz entrar
Mas foi ilusão
Não havia nada na escuridão
Como tantas outras vezes não há o que ser visto
Só um vento sorrateiro
Vindo do terreiro
Apenas um rasto de vento brando
Que as folhas vai levantando
Misturando memórias e devaneios
Julga-se enlouquecer
E por vezes também eu penso ser
Às vezes rio de mim mesma!
Acho até ridículo ainda pensar no passado
Em um tempo já terminado
Respiração profunda
Olhos fechados
Ouço a madeira dar estalidos
Portas, janelas, madeiras desgastadas
Como esse corpo que carrega
Uma alma carcomida
Que quisera fosse oca, vazia!
E novamente aquela voz...
A pregar-me partidas
A zombar de minha dor
Ouço-a
Tão tangível
Um ser invisível
A falar-me de amor
Me parecem passos...
Ouço com cuidado
A lágrima cai
Rompem-se os laços
E na passagem do tempo
Não há uma mão para abrir a porta
Nem voz
Nem olhar
Não tem esperança
Apenas entrelaçada nas teias
As lembranças
No entanto, sem motivo
Cego o coração salta
A mão roça a velha aldraba
E o olhar se prende
Em um imenso nada
Vazio
Frio
Como a casa abandonada