Presságio
Tenho, dessa vida,
Pouco, ou quase nada,
Tudo foi despedida
Uma vida desgarrada
E se no presente tempo
Tenho do que me arrependo
Mesmo assim sendo
Não sei se isso mudaria
O que vivi e vivo todo dia
Meu corpo fadigado
Já não se assemelha
Ao que antes eu era
É apenas um corpo sobre a terra
Um monte de ossos,
E nada mais tenho,
Muito mais me pareço
Com um seco esqueleto
Sem músculos, pele ou nervo
Um ser descarnada,
Caminhante solitária
Da morte chega a mim
Impiedoso chamado,
Meu tempo está no fim
Ninguém está ao meu lado
Se quer me vem a coragem
De para mim mesma olhar
E se ouso olhar meus braços,
De medo estremeço
Me reviro do avesso
Nada parece estar direito
Quisera poder sonhar
Com outro tempo, outro lugar
Mas a realidade me prende em correntes
Não consigo me soltar
Não há cura, a liberdade não pode me alcançar
Só me resta despedir-me
Dar adeus a com quem posso falar
Despedir-me do Sol, mesmo com turvo olhar
Meu corpo já não luta
Já se deixa direcionar
Para esse abismo, de onde não poderá regressar
Entre poucos amigos,
O que veio me encontrar
Ao deixar-me o vi sair
Escondendo a lágrima no olhar
A tal ponto acabado
Que sei não irá voltar
Pois levará consigo
O olhar triste e molhado
E no meu leito a consolar-me
Para o rosto me beijar,
Não mais poderei esperar
Mas embarco alegremente,
Nessa nova trajetória
E minha vela airosa
Já me afasta dessa terra
Para me oferecer o mar
E olhando ao longe
Vejo a se misturar
O azul com o verde
Desse imenso mar
E por vezes em devaneio
Quero tudo registrar
Deixar para eternidade
Tudo que me leva por esse mar
Eis o estado inicial de minha alma amorosa
Que mesmo partindo sem o amor tocar
Parte ainda amando, em suspiros em alto mar
Depois, vejo surgir uma névoa assombrosa,
Ondas tenebrosas
Se formam nesse mar
O céu já não se mistura
Só azul é o mar
No céu raios o vem riscar
Enquanto turvas nuvens
Vem a tudo escurecendo
Inclusive o próprio mar
A trovoada ruge e se alastra pelo ar,
Assusta aos temerosos
Mas não as almas rancorosas
E esse outro estado me torna receosa
Espera infecunda
Que essa moribunda
Vê no mar se perder
Sem ver o Sol nascer
E nesse horror do oceano enraivecido,
Toda a embarcação se vê a deriva
Despedaçado o mastro, o leme destruído,
Destruída uma vida
E eu soçobrando em tétrico presságio
Fico também destruída
Enfim, é da morte, entre as vagas salgadas,
A abraço forte que não recebi em vida
E meu corpo apanha desse mar
Que se ergue sem cessar, repelidas, tragadas,
Chicotadas nesse fim de vida
E olhando esse espetáculo
Meu triste e cansado olhar
Vê tudo e só lhe resta falar:
É o meu amor, esse cheio de dor,
Nada mais que um horrível naufrágio
Anunciado em vil presságio