Aprendi

Servida em frágil taça

Que a temperatura embaça

Recebi a vida que pela garganta escorria

Rasgando as entranhas

Esvaindo-me em dor

Fui a concebida

Desgraçada de uma vida

Que depois de expelida

Foi para sempre banida

Entre o rubro que preenche

Frágil taça que me prende

Há tanto de nada

Que quase trinca essa taça

Por vezes é vazia

Noutras transborda entre cores

Do rubro ao cinza

Da carne aberta flor

Enche a taça de dor

Um levantar de um sol

Que não traz a mim seu calor

Até aos dias cinzas

De infinito frio de dor

Tantos amanheceres

Tanto sol se levantando

Estações que findam

Estações que iniciam

Ciclos infindos

Ritmo que ignora a dor

Sonhos não vividos

Entre tempo perdidos

Rosto marcado

Moldurado

Retrato de quem agora sou

Que tanto pelo tempo passado

Quanto pelo tempo iniciado

A poeira encobre

Vai correndo

Lentamente recriando

Apagando

Esse meu retrato

Na parede do tempo pendurado

Tanto antes eu temia

Tanto eu não queria

Angústias que me acompanhavam

Minhas mãos não soltavam

E mais eu sofria

Tudo era delicado

Ainda sinto muitas faltas

Vazios não completados

Mas já não me angustio

Hoje trago comigo

Certezas que da dor vieram

Trago muitas feridas

Cicatrizes que velhas feridas me fizeram

Vivo meus dias de inverno

Sem achar que não é belo

Aprendi a ser inteira

Mesmo sendo muitos pedaços

E também aprendi

A seguir sem os pedaços que perdi

Aprendi a ficar bem com minha taça

Aprendi que o passado que me fez

Não me tem

Não é mais de ninguém

Aprendi que não se muda

O que o outro não quer mudar

Um sozinho não pode levar

Toda uma história

Aprendi que meus dias ruins

Também possuem alguma glória

Aprendi que as lágrimas

São como o caminho de um rio

Aprendi que o choro acaba

Como secam as águas de um rio

Mas isso não significa

Que o leito estará pra sempre seco

Pois em algum momento

Grandes águas o tomam

Aprendi a muito tempo

A sorrir sem sentir

Pois também aprendi

Que sofre menos

Quem aprende a mentir

Aprendi que não escolhemos a taça

Aprendi que muito do que vivemos

Também não escolhemos

Mas aprendi

Aprendi a viver sendo inteira

Feita de pedaços

Com pedaços faltando

Muita coisa eu aprendi

Mas outras… não aprendi

Servida em frágil taça

Interior quebrado

Pedaços colados

Pedaços perdidos

Rubra cor

Cola de dor

Gabriela S V
Enviado por Gabriela S V em 17/01/2024
Código do texto: T7978839
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