Cão sem dono
Em um pequeno caderno
Trago tudo anotado
O tempo de agora
E os tempos passados
Histórias e mais histórias
Pedaços de minha memória
A menina que sonhava
Ver teus pais descendo a escada
Entrando no grande pátio
Com os braços estendidos
Na boca um grito
Estourava os seus ouvidos
E dali ia embora
Agarrado em quente colo
Registros de esperanças
De na data do aniversário
Receberia de presente
Um lar para criar lembranças
Tantas outras datas registradas
Tantas esperanças despedaçadas
Quanto pranto guardado
Nos travesseiros onde o rosto foi enfiado
A menina moça se tornou
E também esse tempo registrou
Agora em outro caderno
E a esperança quase morta
No caderno ficou
Ali ficou registrado
Que os sonhos trazem dor
E por muitos anos
Só a realidade se registrou
Muito estudo
Muito trabalho
Pouco tempo pra dormir
Se alimentar era
No movimento da ida
Para a próxima lida
E enquanto isso
Os sonhos foram esquecidos
No caderno ainda
Outros prantos se guardou
E noutra página
A moça se formou
E foi nesse tempo
Que tomei-me de lamentos
E outro sonho minha história matou
Quando descobri
Que o amor me iludiu
E que esse não me cabia
Minha vida fez-se fria
E tudo ainda mais mudou
Hoje, outro caderno
Outros registros
Sempre sinceros
Pois eu e as palavras
No papel rabiscadas
Não intencionam nada
São como eu
Um cão sem dono
A diferença entre nós
Está no abandono:
Elas são minha alma
Que guardo registrada
Enquanto eu não sou nada
Nem deixei marcas
Sou apenas a menina
Sentada na calçada
A espera de uma volta
De alguém que comigo não se importa