Parir a si

O céu faz barulho, anunciando um dilúvio. Finalmente, tenho companhia: nuvens carregadas, assim como eu. Olho para os tons de cinza, aliviada, encontrando acolhimento no canto do vento, que sopra sutileza e compartilha melodia. Eparrey Oyá, encanto que toca a pele e a alma.

Cai a primeira gota de chuva e, com ela, me lanço ao chão. Não preciso mais me esforçar para permanecer em pé. Me aconchego na queda, não fico sozinha nela. Me curo com a água que me banha, sentindo sua temperatura gélida. Saio da anestesia, respiro de braços abertos, olhos fechados, no intervalo entre gotas para não me afogar.

Com a correnteza que vem de fora e de dentro, nossas águas se misturam, como rio que corre para o mar. Mar, esse, que transborda dos meus olhos, rio que escorre do céu, se faz cachoeira sobre meu corpo. Ora yê yê, minha mãe, me acorda, me limpa, me nutre e me lembra da magia que é estar viva.

Sinto a grama me confortar, a terra me sustentar. Solto o peso, não preciso mais nos ombros segurar. Deixo dissolver toda a dor, o medo e a solidão. Fico oca, vazia por dentro, leve por fora. Por ora, não sei lidar. A angústia aumenta, o coração acelera. Percebo que falta um elemento.

Paro novamente de respirar, inspiro fundo, expiro lentamente, até tudo acalmar. Choro um pouco mais, até soluçar. Me viro para o lado, abraço os joelhos em posição fetal. As águas se tornam mornas e se transformam em líquido amniótico a me gestar. Aqui, vou ficar, até que o sol volte a brilhar e traga o elemento faltante, o fogo da criação, que fará o renascimento se materializar. O momento do parto há de chegar.

Rafaela Andrade
Enviado por Rafaela Andrade em 24/12/2023
Reeditado em 10/03/2024
Código do texto: T7961060
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.