Do que vale a vida?
Dentro de mim tudo grita
Alucina e se agita
Mas quem me vê por fora
Jamais dirá que meu coração chora
Talvez, em poucas vezes
Alguém até perceba
Uma respiração profunda
Ou um olhar que vagueia
Mas para tanto
Esse alguém precisa ser atento
Pois sigo meu caminho
Sem derramar o meu pranto
Tudo em mim grita
Mas fico no silêncio escondida
Protejo os meus desgostos
Da navalha do julgamento
Me basta o que já sinto
Me basta as palavras cravadas
Me basta todo silêncio
Me basta o abandono
Por isso sigo calada
Feito um cão sem dono
Nem espero mais por migalhas
Para não alimentar sonhos
Pode até parecer
Um ato de covardia
Mas o que me importa é saber
Que cada vez que o sonho
Entrou no meu viver
Mais forte se fez o abandono
Foram tantas palavras
Lançadas como faca
No coração enfiadas
Feridas nunca fechadas
E a parte engraçada
É que eu até acreditava
Que o sonho algum dia
Se realizaria
Mas novamente passaram-se os dias
Vieram as noites
Uma ao outro foram se sucedendo
O sonho foi morrendo
No mais profundo silêncio
Depois de amargas palavras
Que nada cuidavam
Mas que lançavam-me de volta ao abandono
Talvez alguém diga
Que tudo é passageiro nessa vida
Mas a minha realidade
Perpetua a saudade
Dos sonhos nunca vividos
Já não olho o caminho
Esperando que não haja espinho
Já não olho a lua
Pensando que um dia ela seja
Testemunha de um amor
Habitante da mesma rua
Sem as amarras de qualquer dor
Já não tenho ilusões de menina
Aceitei a minha sina
Descobri ser essa a forma
De não enlouquecer no agora
E assim vou me desviando
De todos os pensamentos
E abrandando os sentimentos
Quem me procurar
Não me encontrará
Parte de mim está morta
A outra parte joguei fora
O que achará agora
É um espetro desfigurado
Cujo coração do peito foi arrancado
Se sou eu feliz?
É um conceito que podemos discutir
Pois a tal felicidade
Nem sei se existe na totalidade
Ou se a vida apenas é
Pequenos fragmentos de uma coisa qualquer
O que bem conheço
Foi o que dito foi-me nos gritos
Que o amor não prende
E realmente, ele não usa correntes
É livre tão completamente
Que fica mesmo onde a aridez
É terreno cujo lar se fez
E nas infinitas tentativas
De expulsá-lo das nossas vidas
Feito um carrapato
Sua presa enfia
Que quando o arrancam
A morte lhe faz visita
Por isso eu concordo
O amor não tem cordas
E mesmo o amor mais profundo
Permite-se ser arrancado
Permite-se perder a vida
E do que vale a vida
Se o amor te abandona?
É apenas uma vida
Não vazia
Cheia
Não de beleza
Não pelo amor cheia
Mas cheia de tristeza