DENTE MOLAR

DENTE MOLAR

 

Se foi mais um dente molar,

Mas esse era um ciso oculto,

Guardado no fundo mandibular,

Tão ferido que hoje é meu luto.

 

Foi ela quem fez, Dona Ellen,

E anestesiou para não sangrar,

Saqueou na raiz sobre a pele,

E deixou vazio aquele lugar.

 

Demorou num instante a coragem,

Mas também teve uma libertação,

Do abcesso de dor na garagem,

Onde os dentes eram irmãos.

 

Nós humanos mesclamos os dentes,

Temos o canino, incisivo e molar,

Com os quais comemos até sementes,

Mas nós temos de lhes escovar.

 

A nossa mordida não é natural,

Porque aprendemos a cozinhar,

Pois se é cru, a azia é do mal,

E para viver tudo vou degustar.

 

Comer peixe cru, só lá no Japão,

Em ilhas vulcânicas diante do mar,

Sem carvão ou gás, mas com vulcão,

Que nós vamos à noite jantar.

 

Eu fui nascer em um continente,

Cercado de mar, mas no meio do vale,

Sem ver maresia ou água corrente,

Por isso eu fiz churrasco à tarde.

 

A carne do sol chegou do sertão,

E o charque veio lá dos pampas,

Mas o vinho que tomei com o pão,

Eu degustei lá pelas tantas.

 

Já era bem noite e o lobo uivou,

Será que a lua é cheia ou crescente?

Ou foi quando uma coruja piou,

E disse à saudade algo inocente.