Meu baú
Entre as teias de aranha
Se movem algumas lembranças
Feito um baú antigo
Pelo tempo esquecido
Que já nem se recorda
Do fora lá dentro guardado
E quais histórias
Cada uma dessas coisas
Guarda em si entre a poeira
São assim também minhas lembranças
Umas vivas, claras como a aurora
Outras meio esquecidas
Por razões conhecidas
Que ao serem remexidas
Abrem velhas feridas
Mas de vez em quando
Por motivos incompreensíveis
Nos colocamos a revirar
O que não devíamos olhar
Talvez por serem parte do que de nós fez
Talvez porque perguntas não acharam suas respostas
Ou talvez ainda por insatisfação
Podem ser tantas as razões
Mas foi assim que acabei
Tirando da memória
A história que guardei
Desde as primeiras lembranças
Aquelas que bem pequena
Não tiveram espaço para o esquecimento
Marcaram como ferro quente
E nunca se desfizeram
Ainda que essas lembranças
Por serem coisas de criança
Em uma vida serena
Talvez mal não fizessem
Mas por na aridez viver
Marcaram tanto
Creia no que quiser crer
Mas não viemos ao mundo
Sem a necessidade de amor receber
E quando se é frágil e na pequenice abandonado
O que primordial é
Não existe e a vida prossegue
Não importa que você chore
Grite ou peça para ter
Um pequeno toque
Um beijo na face
Um colo pra acolher
Um canto que te embale
Uma mão pra guiar-te
Mas nada chega à você
Nascem as feridas
Que na dor cicatrizam
Só onde podem ver
Porque você aprende
Que quanto mais se mostra
Mais te ferem pra valer
Então se cria uma couraça
E deixa guardado
O que de verdade sente
Mente pra sobreviver
Tentando diminuir um pouquinho da dor
O caminho se vai seguindo
Confiar não é escolha
É risco de desatino
Melhor seguir sozinha
Enfrento as tempestades
Enquanto no que o rosto mostra
A alegria reina faceira
Tantos nãos
Tantos não me importo
Que os ouvidos ensurdecidos
Pela dor de cada palavra
Já não se esforça
Deixa ecoar e não ouve
Mas ainda assim magoa
E vai seguindo sempre
Depois mexendo um pouco mais fundo
Acho o que me mostram tanto
Não tenho um ninho
E isso fere muito
É ser navio sem comandante
Nem tripulação
É embarcação perdida
No meio de um mar de bravas ondas
Sem ter onde ou como aportar
Dentro desse návio
Um único sonho
Que depois de longos anos
Vagando sozinha pelo oceano
Houvesse um porto para ancorar
Ter nessa vida um amor que seria
Tudo que me tiraram
E por tantos anos me negaram
Nesse aportar
Tudo estive me aguardando
Para o sonho transformar
Em uma linda realidade
Mas ainda estou no mar
Apenas já não sonho
Com nenhum porto
Pois onde aportei
Me devolveram ao mar
Nesse baú mexi
Por saber que daqui a pouco estarei
Sem mais poder o olhar
E mesmo que agora doa
Tudo fez parte de quem eu sou
E não devo negar
Achei também guardadas
Frases a mim direcionadas
Umas que nunca compreendi
Outras que hoje entendi
Entre as que não compreendo
Está a que a mim disse
Ser eu a culpada
Por isso abandonada
E ainda não compreendo
Era eu a inocente
Que nada escolheu
E como então eu podia
Ter culpa pela maldade
Que só mim machucou
Outra frase dita
Hoje compreendida
Foi que escolhemos
Aqueles a quem amamos
E por ser o amor uma escolha
Sua morte só se dá
Quando escolhemos o matar
E foi assim que se fez
Mas não quero matar nada
Quero seguir amando
Mesmo que na solitude
Mas vazio não quero mais
Me sentir por ninguém ter
Ao meu lado a me acolher
Estou bem consciente
De que amor solitário
Também fere e deixa doente
Mas se dele me libero
O que sobra no meu coração
Além das mágoas e feridas
Que carregarei enquanto em mim houver vida
Eu aceito não ser amada
Somente me nego a seguir vazia
E seguir sem esse amor que sinto