Dobradiças

A porta está fechada

há muito tempo.

As dobradiças rangem,

longamente.

Chove não tão forte,

mas os pés parecem afogados.

Um ventinho anuncia pausa.

Pingo isolado faz a poça tremer.

Lá dentro está seco.

O tempo deve ter agido,

mas criou mau cheiro no ambiente.

Marcas de total ausência.

O que foi sonho,

foi-se.

Foice.

As marcas estão em tudo.

Era lindo!

Findou-se

e a criação não encanta,

não é mais arte.

Voltar ao trem é inevitável:

- balança, balança, balança

e segue seu caminho, seu fluxo.

As estações se sucedem.

Sigamos.

A vida assim pede.

Ainda chove,

não há enganos.

Tudo está vivo,

só não se expressa.

Tempo

impiedoso, indigesto, implacável.

Nada desfaz, apenas afasta,

lacra e esconde a chave.

O olhar em pântanos

não brilha cintilante.

Nada voltará a ser como antes.

Cegará em instantes.

(Do livro Abstratos poéticos)