O PAPAGAIO

O PAPAGAIO

 

Quando fomos crianças e livres,

Mesmo assim haviam as prisões,

Eram grades, taliscas e tigres,

Junto aos papagaios e ilusões.

 

Nós achávamos possível voar,

E as asas dos anjos pegávamos,

Com toalhas das mesas de bar,

Amarradas a bonecos de barro.

 

Não sei até quando fui Ícaro,

Porque a cera não se derreteu,

Mas não sei usar cada filtro,

Pois o sol não me torna ateu.

 

Quanto mais voa meu espírito,

Sei que vou de encontro a Deus,

Mesmo sendo seu eco e o grito,

Com o apito que o cão atendeu.

 

Minha pipa foi meu papagaio,

Pois as araras não tenho mais,

Elas foram voar desde maio,

Para a encosta longe do cais.

 

Mas um dia vi o raio na árvore,

Que morreu e queimou por dias,

Mas deixou o tronco sem lacre,

E no oco riam araras e harpias.

 

Era um tronco alto e grosso,

Longe das cobras e das pragas,

Lá eu vi os filhotes, seu moço,

E depois fui voar com as araras.

 

Lá também estavam os papagaios,

Que apreenderam a minha língua,

E chamavam as crias pros galhos,

E de lá revistaram as colinas.

 

Certo dia, estando em Catingal,

Vi um belo casal de papagaios,

E era um grande e fiel recital,

Cantado sob os primeiros raios.

 

E no recheio daquela caatinga,

Me senti como o Sol do lugar,

Pois vi gente vivendo à míngua,

Orando com fé pra chuva chegar.

 

Minha sorte era ter uma barragem,

Que invadia o sertão e a história,

Escondendo o ouro dessas paragens,

Mas quem sabe é cavalo de Tróia.