IGUAIS NO ESCURO
IGUAIS NO ESCURO
A terra estava ressequida e nua,
Sem mais agave ou o mandacaru,
Parecia que havia algum krakatoa,
E tudo morreu, até mesmo o tatu.
Deveria ter marcas de lágrimas,
Mas elas ficaram nos escombros,
Como nossas lutas mais trágicas,
Onde a Pátria deu com os ombros.
Nesse solo não só brasiliano,
Pindorama foi um jeito de ser,
E os índios têm jeito cigano,
Mas tudo é lugar pra morrer.
Aqui não resguardam a memória,
Pois não se conhece a família,
Não há quem conte as histórias,
Nem guardam as velhas mobílias.
Esse foi nosso pretérito Brasil,
Que jogou os escravos na vala,
Sem direito às águas dos rios,
Nem às casas ou salas de aula.
Para eles a carne é a linguiça,
Ou jabá por não ter geladeira,
E me dizem que tudo é preguiça,
Mas o bicho não vende na feira.
Eu queria ser só um maluco,
E pudesse sentar-me à mesa,
Porque quando eu sou cafuzo,
Sirvo apenas de sobremesa.
Nossa vida tem lado de muro,
Num país que não tem um rosto,
Mesmo sendo iguais no escuro,
Mas de dia a pele é imposto.
Ricos não toleram um pobre,
Dizendo serem eles intrusos,
E se roubam, é culpa do pobre,
Pois sempre o elegem obtuso.