Real e sonho
Abro os olhos
Depois de uma tempestuosa noite
Na penumbra, meu olhar
Percorre todo lugar
E volta a se fechar
Não há ninguém
Entre pequenas frestas de luz
E sombras que restam
Nada reluz
Continua ali
A figura carrancuda e fria
Da solidão que desde o dia
Que pela primeira vez os olhos abri
Me espreitava
Aguardava
Ereta e calada
E ali continuava
Quero voltar a dormir
Sonhar que tudo está a florir
Ter em minha face
Desenhado permanente
O sorriso de quem se sente
Simplesmente pertencente
Não mais intrusa
Não mais quem por favor
Lhe doam uma gota de um amor
Que não se liga
Não vincula
Não torna parte
É apenas fração
Como a mão na cabeça do cão
Que o caminho cruza
E por segundo
Se compadece
Toca no vagabundo
E depois segue
Voltando-se pra trás
Assegurando-se de não o ver mais
E na penumbra
Entre noite e dia
Ou dia e noite
Olhos abertos
Ou fechados
Entre o silêncio apenas quebrado
Por palavras calculadas
Palavras necessárias
Sem permissão para avançar
Vou fingindo não me importar
Arrumando tudo para não incomodar
Enquanto por dentro
Tudo quebrado está
E enquanto oculto
A vida segue seu roteiro
E nos intervalos me permito
Um alívio
Quase um grito
Pelas lágrimas que me cortam
Enquanto oculta
Pelo escuro
Minto a mim
Me engano
Fazendo ninho
No abraço dos meus braços
E depois
Respiro fundo
O rosto enxugo
Ergo o corpo cansado
Ajeito as vestes
No espelho ponho a máscara
Encho-me do nada
E como o cão
Que a calda abana
Caminho
Sigo Sozinha
Até o crepúsculo
Ainda crente
Mesmo que ciente
Da vida que sonho
Da vida que tenho
E no minúsculo
Faço
Sonho
Sigo e me recomponho