ANCESTRALIDADE
Eles vieram de longe,
onde a vida ainda
não resolvera se assentar.
Na trilha dos leões,
peregrinaram
entre feras e feridas.
Os pés descalços
tingidos
de um vermelho dourado,
salpicados de areia,
que entranhava nas veias
e vilas por onde passavam.
Vieram com a poeira,
e para o pó voltariam.
Entoavam cantos uterinos,
para lhes dar substância,
embora o desígnio
não lhe cobrasse o preço de vozes,
apenas o apreço pelo silêncio.
O sol,
em abundante inclemência,
os regava de suores,
a derreter os caminhos
marcados de lonjuras e espinhos.
Foram muitos dias...
Até que chegaram,
juntos,
todos eles.
Várias tribos,
um único ritual.
Abraçaram-se,
nômades e sedentários,
trocaram mutuamente suas estórias
de sobrevivência.
Partilharam
das comidas
que pareciam ter iminente fim,
mas a resiliência
as faziam infinitas.
Depois caminharam,
cabisbaixos,
revezando-se
numa mudez
ruidosa.
Ao chegarem
ao pó,
pegaram os ossos,
dançaram com os esqueletos,
beijaram a terra
e idolatraram suas sementes.
Repetiam isso todos os anos,
desaguando lágrimas
no estuário de cada saudade.
E assim fizeram,
a comunhão
passado-presente
até a exaustão.
Naquele momento
era tão só ancestralidade...
As múltiplas tribos,
perceberam uníssono
que o mundo
se transformara
numa única aldeia.
Por fim,
olharam-se
e sorriram-se
em suas dores e resignações.
Evocando as dinvidades,
por elas e para elas,
haveriam sempre
de se lembrar
que antes de tudo,
todos ali
eram eternamente irmãos.