REFÉM
"porque o tempo em que vivo,
morre de ser ontem..."
Fragmento de "Confidência"
Mia Couto (1955—)
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REFÉM
Sim, já me houve
muitos tempos!
Era avidamente
jovem.
Não ouvia
os badalos das horas,
pronunciáveis
nos sinos,
sinas,
... sinais.
Não entendia
de liturgias,
dei-me a
conhecer
letargias
Era despossuído
de divindades!
Eu tinha todos os
nomes,
e achava
possuir
as suas
formas,
dos corpos efêmeros,
passei a
desenhar ausências.
Era tão imaterial!
O tempo ainda
assoviava
nas vias
uma cantiga
de recomeço,
nunca lhe dera ouvidos,
apenas, olvidos.
Dos sons do amanhã,
não escutei
uma única sílaba
do silêncio.
Sequer sabia soletrar
a sua mais simples carne,
como poderia
falar com suas almas ?
Era era tão
des-mundano!
ao mesmo tempo,
em todos eles,
tão desalmado.
É certo que cansou-se
de esperar.
Só havia curvas,
turvas,
por certo,
eram as minhas
visões,
somente uma
se apresentou
perversamente
nítida.
Quando a vi,
ela se apropriou
dos meus olhos,
e de tudo mais
o que eu pudesses ver,
ter, ser ou estar.
E eu que achava
que era cúmplice dessa solidão!