O último natal a teu lado
O último natal ao teu lado,
Eu tão exposta e tu como sombra, ocupado e ocultado,
O destino nos porá em rumos contrários?
Deixar-te ir é afastar-me de mim mesma, é reescrever a história duma obra que em brasas me marcou,
Dizendo-a mim mesma: Não foi nada demais, ou foi bom enquanto durou.
Ir-se daqui é levar-me de mim, embora ao pedir a Deus a mudança desta sorte, não seja claro o fulgor do brilho de
tua permanência se comparado à tua ausência.
Custou deixar-te-me tocar e igualmente custa, o choro do desapegar.
E agora o mais versado advogado parece incapaz de mudar nossa sentença e o único memorial que terei de ti será uma imagem, congelada num retrato.
Aceitar isso já é o início de um coração desfigurado.
Como te prenderei então aqui, se não sei com que cara irei eu te visitar?
Talvez mal te despeças e me porei a festejar.
Com que cara irei te visitar?
Talvez com o rosto em véu tapado.
Choro de quem perde um ente querido
E de quem anda a esmo ao vagar
Vagarosamente notando a única coisa que falta
Quando tudo o mais está no lugar
E por isso mesmo, toda a ordem se desfará.
O ser e o não ser coabitam o mesmo lugar
E altura com que a baixeza se estima
São a paz pressupondo rendição à horda inimiga,
De quem já se despediu para à força se calar.
Pois tem como fazê -lo ficar?
Sente ainda haver nele algo a mais que lhe está a chamar?
Com que então fazê-lo ficar?