À PALAVRA
Não tenho toda palavra,
sequer de uma única
lhe tenho pertença.
Convenço-as
— nem sei como —
a participarem
dos escritos.
São elas
que de mim se apropriam.
Me ensinam tudo
o que ainda não sei
e nunca saberei,
Minha sede
de ignorância é infinda,
como infinitas são
nossas cumplicidades.
Palavra e escrevedor
assim nasce o verso,
arroubo de inspiração,
quem sabe
num roubo de ilusão.
Somos
una matéria :
ela me completa
eu a contemplo;
ela me assoma,
eu assumo
suas vestes
usurpando
as agulhas
para tecer
outros figurinos.
E vou-me indo
por suas
bem traçadas
linhas,
tentando
achar o que nunca
se perdeu,
e tudo o que me
fez me perder
na sua estrada.
Nela
mero caminhante sou,
a palavra, esta sim,
autônoma,
automotiva,
me motiva
e ser
o exercício
inacabado
de um poeta solitário,
refém das formas
gráficas e iconográficas
de seu corpo.