TUDO PODE OCORRER

TUDO PODE OCORRER

 

Já fui do gozo ao suplício,

Inclusive nadando sem água,

Mas acabo só nesse hospício,

Sem poder contar uma piada.

 

Eu já me acheguei à beira mar,

Que eu vi ao descer as escadas,

Das montanhas que foram altar,

Pois a noite pertence à fada.

 

Ouvi vozes entre os arbustos,

Sentindo o fogo fátuo ligeiro,

Como um vento de vida ou luto,

Sobre a lápide de um arqueiro.

 

Avistei a flecha em Aquiles,

E um cavalo como armadilha,

Vi um Páris com suas tolices,

De querer o amor como ilha.

 

Pois Helena tinha sua casa,

Tinha esposo e uma família,

Mas se entregou à desgraça,

Mesmo sendo rainha e filha.

 

Mas o jovem foi inconsequente,

Raptando-a em um final triste,

Pois Agamenon não foi inocente,

Dando a Tróia o que lhe assiste.

 

E os troianos provaram do fim,

Vendo as suas casas em chamas,

Porque o tempo de Deus é assim,

E meu eterno aqui não reclama.

 

Tudo pode ocorrer nesse mundo,

E por isso é que tanto oramos,

Até quando o cupim roi a fundo,

E nós colhemos o que plantamos.

 

Um segredo é não se apegar,

Pois na loto só temos bilhete,

Sem ter cara, nem mesmo lugar,

Como cabra que nunca deu leite.

 

E ao não ter razão pretendida,

Eu me jogo no delta do cosmo,

E espero ter a pele curtida,

Pra ver se o tambor fará solo.

 

Só no êxtase de um atabaque,

Minha alma vê o lado divino,

E enxerga o que não é destaque,

Mas se mostra na dobra no sino.