ORFANDADE
A tarde lentamente
agonizava em minha janela,
o mundo se debruçava,
arfando-se em expectativas
de improváveis regressos.
A incipiente noite começava
a nascer em seus prenúncios.
Já se podia ver laivos de lua
no útero do firmamento,
seu manto ia trocando
de cores,
numa aquarela pontilhada
de inquietas estrelas.
Pela janela iam
se defenestrando
meus olhares errantes.
A respiração noturna
da atmosfera
orquestrava-se
em meus ouvidos ...
em todos os olvidos,
mal resolvidos.
O silêncio se camuflava
de escuridão.
Estávamos sós:
eu e a tenaz solidão,
cúmplice
de todas as horas.
Erámos amantes
da mesma agonia.
A noite já
nos alcançava,
engolfava-nos
de seus mistérios,
tratuava sua tez
na famélica alma,
como negro farol
a nos guiar
e nos devorar.
Cada noite,
um pedaço
de mim
emergia do corpo,
se afogava no copo.
Ébrio,
entornava,
me tornava
não mais sóbrio,
apenas sombrio,
na penumbra
invisível
das noites sem fim,
órfãs de ti.