AMOR TARDIO
— Não percebes? Eu venho procurar lugar em ti.
Mia Couto (1955 —)
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AMOR TARDIO
Eu venho
das terras longíquas
onde as palavras já se amordaçaram,
e o silêncio,
como se diz,
diz todas as coisas,
defende as causas,
e habita nas casas.
O verbo é mudo,
é servo do vazio,
esconde-se nas frestas
das nuvens
e voa, invisível,
para lugar nenhum.
A noite,
apenas
é o dormitório
das trevas,
o silêncio já muito
negocia com as estrelas,
um brilho sereno
na tez da sua
própria mudez.
A nudez da voz
foi arrancada do quarto
no leito despido,
destituído de ti.
Onde levastes meus sonhos,
deixando-me
entre vigílias inócuas
e pesadelos inquietantes ?
Quero voltar a habitar-te,
em algum recôndito
do teu corpo,
libertar as palavras
para ainda dizer
no desbotado tempo: te amo
Levarei também os silêncios
para depois dos orgasmos,
perceber que tua presença
é o seu refrigério,
e com eles e elas
comunicarem,
em uníssono,
o amor tardio
que guardo
para te dar.