O cadeirante
Escrevo poesia como quem conta cadáveres,
como quem recolhe cadáveres espalhados no chão do bosque
ou da cidade deserta ao entardecer
quando as cores são indecisas como a dor do caramujo.
Um cadeirante foi jogado do alto do viaduto por um assaltante
porque não tinha dinheiro
e entrou no poema muito desgraçadamente
sujando as suas flores na janela com um baque surdo,
com um baque que não para de repercutir.
Um homem circunspecto disse que eu tenho o sofrimento na cara,
mas errou: o sofrimento está sempre nas palavras.
As palavras sangram antes de nascerem.
Eu queria ter um cachorro para me lamber as feridas,
isto é, para me lamber as palavras.