ADEUS, TICA.
Curioso é o tempo.
Danoso. Dengoso. Lento.
Inventa o momento,
incentiva o arrependimento.
Satiriza quem ri de si
ou quem de si de ser o próprio lamento.
Mas se o próprio desastre da gente é ser
Tão humano e incongruente
Só posso dizer:
Insidioso é o tempo.
Eu tinha uma gatinha chamada Tica.
Quase duas décadas de vida feliz,
Fazendo de quem, ali, aprendiz
De felino sorridente,
Dizem que gato é indiferente:
- sabe de nada essa gente!
Gato é um bicho independente,
Mas independe do mundo pra miar
Independe da gente pra brincar
Ronronar, desnovelar o engodo que é nossa mente.
Tem gente que acha que o gato nem sente.
E sabe tão pouco essa gente!
Até domingo a Tica pulava
Da cadeira para a mesa e da mesa pro chão
E adorava!
Fazia que me dava um arranhão e disfarçava.
Saltava e agarrava o batente,
Passava o dorso nas pernas da gente,
Pedia atenção – todo gato é carente.
Miava pedindo atenção.
Gritou querendo atenção.
Era segunda-feira.
Ela precisava de atenção.
Mas todo gato é carente.
Assim foi pela vida inteira,
E acho que fui negligente.
Ainda não tenho certeza.
Ela não mais conseguiu saltar à cadeira
E não aconteceu da cadeira à mesa.
Foi tão de repente.
Parecia doente, desfeita,
Eu não tinha certeza.
Na terça foi socorrida.
Na quinta não resistiu.
Caiu de vez.
Na mão pesada do tempo.
Maldoso é o tempo.
Passarei todo o tempo não tendo certeza se deixei
A Tica aos cuidados do acaso,
Em tão pouco tempo ela declinou.
Senti o que sinto quando tento lembrar
Porque não percebi,
E se notei não dei conta – essa coisa que o tempo apronta –
De que antes de miar, de gritar, de pular, de sorrir,
A Tica pedia por ajuda, a Tica queria falar.
O tempo é uma carga de culpa.
Parece tirar um sarro da gente a todo momento.
Ficou um buraco modorrento, de repente a cadeira lá,
A mesa está lá, o batente está lá,
E não há a Tica a pular.
Tudo tão de repente.
Ainda ninguém consegue explicar
Porque o tempo faz isso com a gente.
E o maior desejo – se há! –
É fazer o tempo voltar.